Seu corpo está ligado a um padrão cósmico
Por Natasha Romanzoti em
19.06.2013
as 15:19
O amanhecer provoca mudanças biológicas básicas no corpo humano. À
medida que o sol se levanta e nós acordamos, a frequência cardíaca, a
pressão arterial e a temperatura corporal aumentam. O fígado, os rins e
muitos processos naturais também começam a mudar sua marcha lenta para
um ritmo mais acelerado.
Quando a luz do dia diminui e a escuridão desce, estes processos
igualmente começam a diminuir, voltando a seus níveis mais baixos
enquanto dormimos.
Esses padrões biológicos internos estão intimamente ligados a um
padrão cósmico externo: a rotação da Terra em torno do seu eixo uma vez a
cada 24 horas.
Este “giro” infinito de luz e trevas e a sincronia correspondente de
relógios internos e externos é chamado de ritmos circadianos. Circadiano
vem de “cerca diem”, latim para “cerca de um dia”.
Ritmos circadianos e saúde humana
Os ritmos circadianos influenciam quase todos os organismos vivos, de bactérias e algas a insetos e pássaros e, como é cada vez mais compreendido pela ciência, seres humanos.
Os cientistas têm aprendido que esses padrões têm efeitos profundos
sobre a saúde humana. “Os ritmos circadianos regulam quase todos os
processos biológicos no nosso corpo, especialmente os processos
relacionados com hormônios”, explica Yong Zhu, professor da Universidade
Yale (EUA).
Zhu estudou as consequências de interromper os ritmos circadianos até
as mudanças causadas a nível molecular. Para entender seu trabalho, é
necessário se lembrar do fato de que ritmos circadianos são antigos.
Esse padrão foi estabelecido cerca de 3 bilhões de anos atrás, e a
vida na Terra evoluiu de acordo com ele. No entanto, muitos aspectos dos
ritmos circadianos e suas influências permanecem misteriosas.
Os cientistas compreendem apenas parcialmente como a sincronia dos
relógios internos e externos governa coisas como a migração das aves, a
hibernação dos ursos e a comunicação de navegação entre abelhas.
Pesquisadores também só compreendem algumas das relações entre os
ritmos circadianos e a saúde humana. Distúrbios nesse ritmo, por
exemplo, ajudam a explicar fenômenos fisiológicos como jet lag,
depressão de inverno (transtorno afetivo sazonal), insônia crônica e a fadiga habitual entre os adolescentes.
Mas só nos últimos anos os pesquisadores voltaram sua atenção para os
efeitos na saúde a longo prazo de ritmos circadianos perturbados ou
interrompidos.
Cerca de 25 anos atrás, o epidemiologista do câncer da Universidade
de Connecticut (EUA) Richard G. Stevens se perguntou por que as taxas de
câncer de mama eram tão altas, sobretudo nas sociedades industriais.
Ele sugeriu uma possível ligação entre câncer de mama e uma invenção
moderna que constantemente perturba os ritmos circadianos: luzes
elétricas. Seguindo esta lógica, ele também postulou que trabalhadoras
do turno noturno tinham taxas mais altas de câncer do que mulheres
trabalhadoras dos turnos diurnos.
“A iluminação da noite é nova na evolução humana. Descobrimos como
usar o fogo há muitos anos, e temos velas há cerca de 5.000 anos, mas
não costumávamos iluminar a noite inteira. Eletricidade realmente mudou
as coisas. Nosso sistema circadiano, que é antigo, está confuso”,
argumenta Stevens.
No ritmo do câncer
Zhu e Stevens se conheceram em Yale e resolveram reunir seus
conhecimentos para testar a teoria de Stevens sobre o câncer e o ritmo
circadiano.
“Percebi que os ritmos circadianos provavelmente tem um tremendo
impacto sobre a saúde pública, mas as pessoas não estavam prestando
atenção suficiente”, disse Zhu.
Vários genes ligados ao ritmo circadiano, às vezes chamados de genes
CLOCK, foram identificados em animais no final de 1990. Zhu e Stevens
decidiram explorar o que Zhu chama de “hipótese do gene circadiano”. A
ideia era procurar evidências de que genética é a questão-chave que liga
mutações em genes circadianos relacionados ao risco de câncer de mama.
O primeiro trabalho da dupla apareceu no Cancer Epidemiology,
Biomarkers & Prevention em 2005. Os pesquisadores identificaram uma
mutação estrutural no gene “Period3”, que foi significativamente
associada com o câncer de mama.
Eles examinaram também todos os 10 genes circadianos humanos, em
particular o gene circadiano chamado CLOCK, responsável pela manutenção
do ciclo. Estes resultados forneceram a primeira evidência genética
ligando o câncer de mama a genes circadianos. Zhu e seus colegas também
descobriram evidências ligando mutações em genes circadianos ao câncer
de próstata e ao linfoma não-Hodgkin.
Além disso, os cientistas descobriram que o CLOCK regula muitos
outros genes, incluindo alguns associados com a produção de hormônios.
Em outras palavras, os ritmos circadianos são profundamente e
sistemicamente influentes a nível molecular.
Quando algo deixa o CLOCK fora de sincronia com o ritmo circadiano universal, as consequências para a saúde podem ser graves.
Nesse ponto da pesquisa de Zhu e Stevens, uma série de outros estudos já haviam confirmado a relação entre câncer de mama e ritmo circadiano interrompido. Estudos na Dinamarca, Noruega e Estados Unidos mostraram que mulheres de diferentes ocupações que trabalhavam à noite por longos períodos (enfermeiras, comissárias de bordo e outras) tinham maiores taxas de câncer de mama.
Nesse ponto da pesquisa de Zhu e Stevens, uma série de outros estudos já haviam confirmado a relação entre câncer de mama e ritmo circadiano interrompido. Estudos na Dinamarca, Noruega e Estados Unidos mostraram que mulheres de diferentes ocupações que trabalhavam à noite por longos períodos (enfermeiras, comissárias de bordo e outras) tinham maiores taxas de câncer de mama.
As mulheres que trabalhavam em turnos rotativos irregulares tinham as
taxas mais elevadas, provavelmente porque seus ritmos circadianos eram
os mais interrompidos. “Levando em conta todos os estudos, o consenso é
de que quem tem trabalha à noite tem cerca de 50% mais risco de câncer
de mama”, afirma Zhu.
Em um estudo relacionado, Stevens e colegas descobriram que mulheres
com deficiência visual tinham um menor risco de câncer de mama, com o
menor sendo entre as mulheres cegas. “Elas não percebem a luz à noite”,
diz Stevens, “então seu ritmo circadiano é vigoroso”.
Em 2007, a ligação entre o câncer de mama e trabalho noturno já era
tão bem aceita que um painel de especialistas reunido pela Agência
Internacional para Pesquisa sobre o Câncer concluiu que “o trabalho por
turnos noturnos, envolvendo rompimento circadiano, é provavelmente
cancerígeno para os seres humanos”. As causas biológicas para tanto,
porém, permaneciam desconhecidas.
Ritmo que atrapalha
Usando dados de um estudo dinamarquês com trabalhadoras noturnas, Zhu
e seus colegas descobriram a ligação molecular que faltava: em mulheres
que trabalhavam à noite há pelo menos 10 anos e tinham câncer de mama, o
rompimento de seus ritmos circadianos foi detectado ao nível do DNA, em
alterações epigenéticas, isto é, alterações genéticas causadas por
influências externas.
A natureza exata desse mecanismo biológico, no entanto, ainda não está clara. Esse é o próximo passo da pesquisa de Zhu.
Ele suspeita que a perturbação dos ritmos circadianos causada por trabalho noturno suprime a produção de melatonina. A escuridão provoca a liberação desse hormônio fundamental que, por sua vez, sinaliza para que determinados processos biológicos desacelerem e nos ajuda a dormir.
Ele suspeita que a perturbação dos ritmos circadianos causada por trabalho noturno suprime a produção de melatonina. A escuridão provoca a liberação desse hormônio fundamental que, por sua vez, sinaliza para que determinados processos biológicos desacelerem e nos ajuda a dormir.
Algumas pesquisas sugerem que, quando a melatonina é suprimida, os
níveis de estrogênio aumentam – e altos níveis de estrogênio são uma
causa conhecida de câncer de mama.
Mulheres que trabalham à noite sob luzes brilhantes habitualmente
bloqueiam a produção de melatonina e, talvez, aumentem seu risco de
câncer de mama. O inverso pode também ser verdadeiro: a melatonina é
capaz de suprimir tumores mamários em roedores, por exemplo.
E, se você trabalha à noite e está com medo de ter câncer, pode ficar um pouco mais tranquila. Em todo o mundo, estima-se que 15 a 20% das mulheres trabalham no turno da noite. Zhu aponta que muitas dessas mulheres provavelmente não são suscetíveis aos fatores de risco que ele tem estudado, assim como muitos fumantes não desenvolvem câncer de pulmão.
E, se você trabalha à noite e está com medo de ter câncer, pode ficar um pouco mais tranquila. Em todo o mundo, estima-se que 15 a 20% das mulheres trabalham no turno da noite. Zhu aponta que muitas dessas mulheres provavelmente não são suscetíveis aos fatores de risco que ele tem estudado, assim como muitos fumantes não desenvolvem câncer de pulmão.
No entanto, ninguém sabe ainda quanta perturbação dos ritmos
circadianos é necessária para causar um dano grave à saúde; Zhu acredita
que isso varia de pessoa para pessoa. Ele também espera que no futuro
existam testes genéticos que identifiquem as pessoas que são
biologicamente mais vulneráveis a perturbações em seus ritmos
circadianos.
Além disso, os pesquisadores ainda não conhecem todas as maneiras
como os genes circadianos interagem e se combinam com outros fatores de
risco. Por exemplo, mulheres na pré-menopausa que realizam determinadas
mutações genéticas em um gene circadiano são mais propensas a
desenvolver câncer de mama.
Mais problemas do que podemos imaginar
Não só mulheres, mas homens também estão sujeitos a potenciais problemas de saúde que vêm com um ritmo circadiano perturbado.
E esses problemas vão muito além do câncer de mama. O trabalho de
Zhu, por exemplo, tem sugerido que os ritmos circadianos desempenham um
papel no câncer de próstata. Evidências mais fracas também o ligam ao
câncer de ovário e de cólon. Zhu acha que esta lista de tipos de câncer
ainda vai crescer, especialmente por conta dos relacionados a hormônios.
Outras pesquisas relacionam ritmos circadianos perturbados com
obesidade, diabetes e doenças inflamatórias crônicas. Essa lista também
provavelmente se alongará, conforme os cientistas continuam a desvendar
os mecanismos dos genes circadianos.
“O reparo do DNA é acionado durante o sono e funciona para corrigir
todo o dano genético que ocorre durante o dia”, ressalta Zhu. Células
não reparadas têm maior risco de sofrer mutações como alterações
cancerosas. Da mesma forma, genes circadianos estão diretamente
envolvidos na regulação da divisão celular, e muita da qual ocorre
durante a noite, provavelmente porque a luz ultravioleta pode causar
mutações e as células são mais suscetíveis a mutações enquanto estão se
dividindo. Tudo isso significa que as pessoas que trabalham à noite ou
têm padrões de sono irregulares (dormem pouco ou mal) podem ser mais vulneráveis ao câncer e outros problemas de saúde.
Os pesquisadores também estão procurando formas de usar os ritmos
circadianos para melhorar a saúde. Alguns medicamentos, por exemplo, são
mais eficazes se tomados em certos pontos do ciclo circadiano.
Ataques cardíacos e derrames são mais comuns no início da manhã,
quando a frequência cardíaca e a pressão arterial aumentam. É por isso
que a medicação para pressão arterial deve ser tomada logo ao acordar.
Por outro lado, ataques de asma são mais comuns à noite, e a medicação
preventiva funciona melhor antes de dormir. Estudos preliminares sugerem
que algumas quimioterapias são significativamente mais eficazes e
provocam menos efeitos colaterais quando administradas na altura ótima
do dia.
Embora muito do que sabemos hoje ainda seja largamente baseado em
experimentos não replicados e especulação, o problema em si é bem
identificado e merece atenção. Nos EUA, o Centro de Controle e Prevenção
de Doenças publicou um alerta sobre os riscos de saúde associados com
motoristas e trabalhadores dos turnos noturnos e pessoas que não
descansam o suficiente por causa de distúrbios do sono ou estilo de
vida. Essas pessoas são menos atentas, mais lentas para reagir e mais
propensas a tomar más decisões por consequência de ignorar seus ritmos
circadianos.
“Todas as espécies na Terra evoluíram e se adaptaram a este ciclo”, diz Zhu. “Quaisquer alterações impactarão, sem dúvida, nossos corpos”.[MedicalXpress]
Hype Science