quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Camada de ozônio mostra primeiros sinais de recuperação desde a proibição de gases nocivos

Camada de ozônio mostra primeiros sinais de recuperação desde a proibição de gases nocivos

Enfim, algo a comemorar.
A camada de ozônio está mostrando os primeiros sinais de recuperação após anos de destruição, concluiu um estudo das Nações Unidas. 
Os cientistas disseram que a recuperação deve-se, principalmente, a uma ação global conjunta de 1987 que proibiu a produção e utilização, pelo homem, de gazes que produzem o efeito estufa. 
Pela primeira vez em 35 anos, os cientistas foram capazes de confirmar um aumento estatisticamente significativo e sustentado do ozônio estratosférico, que fornece um escudo contra a radiação solar que provoca câncer de pele, danos às culturas e outros problemas. 
Também, o buraco na camada de ozônio sobre a Antártida parou de crescer. 
"A ação internacional sobre a camada de ozônio é uma grande história de sucesso ambiental ... Isto deve encorajar-nos a apresentar o mesmo nível de urgência e unidade para enfrentar o desafio ainda maior de combate às alterações climáticas", disse Michel Jarraud, secretário-geral do WMO.
Com informações do The Telegraph

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Déficit de sono tem efeito 'dramático' sobre o corpo humano, conclui estudo

Déficit de sono tem efeito 'dramático' sobre o corpo humano, conclui estudo


Foto: BBC
Quantidades insuficientes de sono durante um período prolongado pode ter efeito profundo sobre o funcionamento do corpo humano, segundo pesquisadores britânicos.
Um experimento concluiu que a atividade de centenas de genes no organismo de voluntários foi alterada quando eles dormiram menos de seis horas por noite durante uma semana.
Em artigo na publicação científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), os pesquisadores disseram que os resultados do estudo ajudam a explicar como o sono insuficiente prejudica a saúde.
Doenças cardíacas, diabetes, obesidade e mau funcionamento do cérebro foram vinculados ao pouco dormir.
O processo pelo qual o déficit de sono altera a saúde, no entanto, ainda não é conhecido.
A equipe da Universidade de Surrey, na Inglaterra, coletou amostras de sangue de 26 pessoas após elas terem dormido bastante - até dez horas por noite - durante uma semana.
Na segunda fase do experimento, o mesmo grupo foi submetido a uma semana de sono insuficiente - menos de seis horas por noite. Amostras de sangue foram colhidas novamente.
Ao comparar as amostras, os cientistas observaram que a atividade de mais de 700 genes no organismo dos participantes foi alterada após a mudança no padrão do seu sono.

Configuração química

Cada gene contém instruções para a fabricação de uma proteína. Portanto, os que ficaram mais ativos produziram mais proteínas. Isso alterou completamente a configuração química no corpo dos voluntários.
O relógio natural dos seus organismos também foi perturbado pela falta de sono. A atividade de alguns genes aumenta e diminui no decorrer do dia, mas esse efeito foi enfraquecido pelo déficit de sono.
Falando à BBC, Colin Smith, da Universidade de Surrey, disse que "houve uma mudança dramática na atividade de muitos tipos diferentes de genes".
"Áreas como o sistema imunológico e a forma como o organismo reage a danos e estresse foram afetadas", agregou. "Claramente, dormir é essencial para a reconstrução do corpo e a manutenção de um estado funcional. (Caso contrário) vários tipos de danos parecem acontecer, o que pode resultar em doenças. Se não podemos reabastecer ou substituir células, isso leva à (formação de) doenças degenerativas."
O especialista disse que muitas pessoas podem estar vivendo com déficits de sono ainda maiores do que os estudados. Isso significa que essas mudanças nos genes podem ser comuns.
Comentando os resultados do experimento, o pesquisador Akhilesh Reddy, que estuda o relógio biológico humano na Universidade de Cambridge, Inglaterra, disse que o estudo é "interessante".
Para ele, as revelações mais importantes são os efeitos do sono insuficiente sobre inflamações e o sistema imunológico. Ele explicou que é possível estabelecer-se um vínculo entre esses efeitos e problemas de saúde como a diabetes.

Nutricionistas recomendam 'apenas água' em refeições para combater obesidade infantil

Nutricionistas recomendam 'apenas água' em refeições para combater obesidade infantil


Crianças devem ser incentivadas a beber água desde o desmame
Água deve ser a única bebida oferecida a crianças durante as refeições para ajudar a combater a obesidade, sugerem nutricionistas.
Um grupo de cientistas disse que bebidas açucaradas são calóricas e com pouco, ou nenhum, valor nutricional, e que as pessoas perderam o "hábito de beber água" durante as refeições.
O aviso dos nutricionistas veio no momento em que o Public Health England, uma agência do Departamento de Saúde da Grã-Bretanha, se prepara para publicar seus planos para cortar o consumo de açúcar no país. O plano deve propor a introdução de um "imposto de açúcar" sobre refrigerantes.
Cientistas falando antes do anúncio da Public Health England, argumentaram que não existem soluções fáceis para atacar a obesidade.
No entanto, eles concordaram em relação às bebidas açucaradas.
"É um simples conselho aos pais: incentivem seus filhos a beber água", disse Susan Jebb, da Universidade de Oxford.
"Uma vez que eles desmamarem, a mensagem deve ser 'crianças devem beber água'. Leite pode, mas esse deve ser o foco da nossa mensagem."
Tom Sanders, chefe do departamento de ciências nutricionais e diabetes do hospital King's College de Londres, disse: "Crianças devem adquirir o hábito de beber água. O problema é que as pessoas não bebem mais água. Eu acredito que as famílias devem colocar água na mesa, e não refrigerante, que deve ser apenas um agrado."

Açúcar e calorias

O grupo de especialistas disse que o principal impacto do açúcar na saúde é como fonte de calorias que podem levar à obesidade. Além disso, o açúcar pode aumentar o risco de problemas cardíacos e da diabetes tipo 2.
A recomendação da Organização Mundial da Saúde é de que a ingestão de açúcares não ultrapasse 10% do consumo diário de calorias de uma pessoa - e de que os governos trabalhem com uma meta de 5% para a população.
Os limites devem ser aplicados a todos os açúcares adicionados aos alimentos, assim como o açúcar natural presente no mel, melados, sucos de fruta e concentrados de frutas.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

As várias causas da obesidade

As várias causas da obesidade

Comidas que viciam, falha no sistema de compensação neurológico e fatores genéticos mostram por que é tão difícil manter o peso




A cada ano aumenta a quantidade de obesos e de pessoas com excesso de peso no mundo. E, pior, esse número crescente não é mais uma particularidade de países desenvolvidos, como os Estados Unidos. Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2008-2009), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), metade da população adulta brasileira está acima do peso. A mudança no padrão de alimentação – aumento no consumo de comidas industrializadas – e a vida sedentária são os principais fatores de sobrepeso.

Ao longo dos anos, com o aumento da obesidade e da preocupação sobre o tema, foram desenvolvidos muitos estudos para se combater esse mal. É muito aceita a hipótese de que a obesidade pode ser uma doença sem uma única causa, mas várias. Predisposição genética, meio ambiente, vírus e distúrbio alimentar estão entre os fatores que podem desencadear um quadro de obesidade.
Uma teoria é de que a obesidade pode ser hereditária. Pesquisas feitas pelo Consórcio de Investigação Genética de Traços Antropométricos (Giant), que conta com mais de 400 cientistas de 280 instituições de pesquisa ao redor do mundo, mostraram novos determinantes genéticos relacionados ao alto índice de massa corpórea (IMC) e à distribuição de gordura no corpo.
No primeiro estudo sobre o IMC, os cientistas identificaram 32 regiões que podem estar associadas ao IMC, 18 das quais nunca haviam sido relacionadas à obesidade antes. Uma das novas variantes descobertas está no gene que faz a codificação para um receptor de proteína que responde a sinais vindos do estômago e influencia no nível de insulina e no metabolismo. Outra variável fica próxima a um gene conhecido por codificar proteínas que afetam o apetite.

Embora se diga que o efeito de cada variante seja modesto, os voluntários que têm mais de 38 delas eram, em média, de 6 a 9 quilos mais pesados que os que tinham 22 variantes ou menos. É importante lembrar que a expressão dessas variantes é muito pequena quando se quer determinar se, no futuro, uma pessoa será obesa. Tanto fatores genéticos quanto ambientais interferem no peso.
No segundo estudo foram encontrados 13 determinantes genéticos que influenciam a distribuição de gordura corporal, a razão cinturaquadril. De acordo com essa razão, o fato de a gordura ser armazenada na região do abdômen aumenta o risco de diabetes tipo 2 e doenças cardíacas. Por outro lado, ao se estabelecer o quadril ou coxas, ela pode ser benéfica, nos protegendo desses males.
Vírus da obesidade
Já pesquisadores da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, acreditam que a obesidade seja transmitida de pessoa para pessoa como se fosse uma infecção. Não por acaso, os cientistas apelidaram a doença de “infectobesidade”, causada pelo adenovírus 36, uma variação do vírus associado ao resfriado. O estudo foi feito com 124 crianças de 8 a 18 anos e constatou-se que 54% delas eram obesas. Dezenove crianças apresentavam o adenovírus 36 e, desse total, 78% tinham quadro de obesidade.
Outra observação foi que as crianças que portavam o vírus pesavam, em média, 22 quilos a mais que aquelas que não o tinham. Os cientistas alertam que esse excedente pode significar um aumento no risco de outras doenças, como problemas cardíacos, diabetes e doenças no fígado.
A ideia de uma causa viral para a obesidade foi levantada uma década atrás por Nikhil Dhurandhar, professor do Centro de Pesquisa em Biomedicina de Pennington, nos Estados Unidos. Ele notou que os frangos que morriam durante uma epidemia de gripe (causada pelo adenovírus) na Índia, nos anos 1980, eram mais gordos, ao invés de serem magros, perfil esperado de um organismo doente.
42% de obesos
Pesquisadores da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, estimam que a epidemia de obesidade na América do Norte não vai parar até que pelo menos 42% dos adultos estejam obesos. O estudo de matemática modular, que levou em consideração dados de 40 anos do estudo Framingham Heart sobre doenças cardiovasculares, foi publicado no periódico PloS Computational Biology.


Gordura vicia
Além da predisposição genética e de um vírus da obesidade, evitar essa doença se torna muito difícil, já que alimentos extremamente gordurosos e deliciosos estão ao nosso alcance a toda hora. Um artigo que saiu no periódico Nature Neuroscience dá uma outra perspectiva do porquê é tão difícil deixar de comer alguns pratos e alimentos gordurosos, mas muito palatáveis. Em uma experiência com ratos foi constatado que aqueles que se alimentavam de comida gordurosa apresentavam um déficit nos receptores de dopamina D2, hormônio que está associado à sensação de prazer e satisfação.
No experimento, os ratos foram divididos em três grupos: um que só se alimentava de ração, um que tinha acesso limitado a comidas gordurosas e um que poderia comer todos os alimentos gordurosos que quisesse. Depois de 40 dias, os ratos que tinham acesso ilimitado à gordura ganharam muito mais peso se comparados aos demais roedores. “O desenvolvimento da obesidade em ratos com acesso ilimitado à comida palatável está muito associado à piora do sistema de recompensa do cérebro”, escrevem os cientistas.
Os pesquisadores afirmam que déficits similares no sistema de recompensa do cérebro foram reportados em ratos viciados em drogas, como cocaína injetável. Logo, essa deficiência de receptores de dopamina D2 pode levar ao exagero na comilança, contribuindo para a obesidade.
Por que as dietas falham?
Segundo cientistas da Universidade da Pensilvânia, seguir uma dieta de emagrecimento faz com que o cérebro fique mais sensível ao estresse e busque recompensas calóricas, como comidas gordurosas. Um experimento feito com ratos mostrou que o nível de cortisol, hormônio relacionado ao estresse, é muito maior naqueles que perderam peso em relação ao grupo de controle. Foi constatado que houve mais episódios de descontrole alimentar e ganho de peso nos roedores que passaram por dieta.

Descontrole com a comida
De fato, a oferta de comida extremamente palatável aumenta cada vez mais. Indústrias trabalham muito com produtos que priorizem a praticidade e o sabor acentuado. Esse tipo de alimento geralmente contém muitas substâncias que, em excesso, fazem mal ao organismo, levando ao ganho de peso, ao aumento de colesterol e de triglicérides, entre outros problemas. “A oferta de alimentos palatáveis de alta caloria favorece episódios de transtorno alimentar compulsivo periódico. Mas também a questão da aprendizagem influi”, diz Hermano Tavares, médico psiquiatra e coordenador do Ambulatório dos Transtornos por Impulso do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo.
Segundo ele, existe a necessidade de uma figura que zele pela boa alimentação das crianças e pelo aprendizado alimentar. E hoje, em razão do ritmo de vida e da inserção da mulher no mercado de trabalho, é mais difícil encontrar lares com tal figura de autoridade. “Às vezes, as pessoas comem de maneira equivocada porque não foram ensinadas como se alimentar de maneira apropriada”, argumenta. Além disso, há estudos que mostram que há doenças que têm fatores contribuintes de origem intrauterina. Maus hábitos alimentares podem comprometer a saúde do bebê no período em que ele está na barriga da mãe.
Tavares aponta que a reeducação alimentar seria um bom modo de combater a obesidade. Isso porque ela pode estar associada a outras dependências, como a ansiedade. É possível combater a ansiedade com psicoterapias e medicamentos, mas ainda assim é necessário ter um hábito alimentar saudável. O psiquiatra observa que uma linha de pesquisa da disciplina de telemedicina da Faculdade de Medicina da USP, batizado de Academia Nutricional, para estimular a reeducação alimentar.
A Academia Nutricional funcionaria como um colégio, com aproximadamente 3 anos de duração, e se fundamentaria em cinco pilares. O primeiro diz respeito a experimentar novos sabores e alterar, numa taxa de 3% ao mês, o cardápio da pessoa. Já o segundo pilar se basearia na conscientização dos benefícios que cada alimento traz ao corpo. No terceiro momento, o nutricionista agiria como um negociador, que tiraria algum alimento do prato do paciente e o substituiria por um mais saudável. O quarto pilar seria alimentar um bichinho virtual (representação do aluno), como modo de trabalhar a conscientização e a honestidade consigo mesmo. O último fundamento é a formação de comunidades para estimular a boa alimentação e a experimentação de novos sabores.
Tavares afirma que esse método de reeducação alimentar pode ser muito eficaz, já que se está lidando com um comportamento praticado por anos. “É preciso de métodos muito criativos para se promover uma mudança comportamental. Tudo, claro, num ambiente afetivo, porque ele facilita essa mudança. A brincadeira do bichinho virtual pode envolver mais respostas afetivas”, argumenta.
Paladar da mãe influencia na dieta do filho
Estudo publicado no periódico Proceedings of Royal Society B mostrou que a alimentação da mãe na gravidez pode influenciar no paladar do filho. O experimento foi feito com dois grupos de ratos: um em que as mães se alimentavam de comidas com sabores mentolados e cerejas, e outro em que elas tinham uma dieta branda. Os filhotes do primeiro grupo tinham um glomérulo (região do cérebro responsável pelo odor) maior. É a primeira evidência de que os odores no útero podem alterar o modo como o cérebro se desenvolve. Acredita-se que todos os mamíferos desenvolvam seu paladar do mesmo modo.

Novos modos de emagrecer
Em busca de combater o sobrepeso com mais eficácia, muitos métodos de emagrecimento estão sendo reformulados. Entre eles está a contagem de calorias. Os Vigilantes do Peso do Reino Unido implantaram recentemente o sistema ProPoints, em que os alimentos ganham pontuação por suas características e seu modo de preparo e não pela quantidade de calorias que possuem (antigo método).
Pesquisas realizadas pela própria instituição constataram que o sucesso em emagrecer não diz respeito somente à contagem de calorias, mas quão rápido nosso corpo processa os nutrientes. Por exemplo, de acordo com o antigo sistema, uma barra de chocolate e um bife tinham a mesma pontuação. Mas o corpo pode queimar 25% mais energia digerindo proteínas e fibras (carne) que processando açúcares e gordura (chocolate).
O ProPoints trabalha com uma meta de consumo de pontos diários, baseada em gênero, idade, peso e altura. Ao mesmo tempo, há um bônus de pontos por semana que podem ser gastos em qualquer dia, como preferir. Então, a pessoa, caso tenha um jantar ou uma festa, não precisa se limitar tanto pela dieta. Por enquanto, a medida do ProPoints só foi implantada no Reino Unido. Mas possivelmente, em breve, será utilizada pelo Vigilantes do Peso do Brasil.
Outro método de emagrecimento que tem sido posto em xeque são os exercícios físicos. Estudos recentes mostram que, a partir de um certo ponto, o corpo para de queimar energia e começa a querer repô-la, fazendo com que a pessoa coma mais e engorde. Um experimento realizado na Universidade de Louisiana, nos Estados Unidos, analisou quatro grupos de mulheres com sobrepeso durante 6 meses. No primeiro, elas se exercitavam 72 minutos por semana. No segundo, por 136 minutos. Já o terceiro grupo, por 194 minutos. As mulheres membros do último seguiam sua rotina normal, sem exercícios adicionais.
No final do estudo, os pesquisadores não constataram nenhuma diferença significativa de perda de peso entre aquelas que se exercitaram em relação ao grupo de controle. Os cientistas sugerem que isso aconteceu em virtude de um sistema de “compensação” do corpo, pois aquelas que se exercitaram compensaram as calorias gastas comendo mais, como uma forma de auto-recompensa.
Obsessão por comer
O transtorno alimentar compulsivo periódico (TCAP) é um distúrbio em que, por muitos episódios, a pessoa perde o controle e come até passar mal ou até a comida acabar. Grande parte dos pacientes com esse transtorno tem sobrepeso e cerca de 30% dos obesos têm esse comportamento. “A perda de controle com a comida não é obesidade. Ela é frequentemente associada a outras formas de perda de controle, como jogo, sexo, compras”, explica Hermano Tavares, coordenador do Ambulatório dos Transtornos por Impulso do Instituto de Psiquiatria da USP. Esse descontrole é mais comum do que se pensa. Imagine uma noite mal dormida, estresse no trânsito, período de pressão no trabalho somados a um jejum de 12 horas. Depois desse dia, quando for a uma churrascaria, tente se controlar. “A tendência de perder o controle está associada a fatores genéticos e ambientais”, conclui.
Texto: maira@planetanaweb.com.br
Revista planeta

Você é o que você come

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40 Anos de desordem alimentar


Terra onde, em se plantando, tudo dá, o Brasil cumpriu nas últimas décadas o vaticínio:  tornou-se celeiro do mundo. Nos anos 1970, surfou na onda da Revolução Verde e adotou o fertilizantes, a monocultura e a agricultura mecanizada. Quarenta anos depois, a onda virou tsunami: somos um exportador gigante de grãos e de carne. Mas e a busca por uma alimentação mais equilibrada?
A expansão do agronegócio e a cultura extensiva dos alimentos mecanizados e fertilizados também deixam um gosto imprevisto na boca dos brasileiros. O passivo ambiental legado por esse modelo industrial contabiliza erosão e esgotamento dos solos, poluição dos rios e aquíferos, desmatamento e extinção de espécies animais e vegetais. Se é verdade que a superpopulação mundial ganhou, nas últimas décadas, mais acesso a proteínas baratas, é mais que preocupante o número de pesquisas que ligam a indústria de agrotóxicos a doenças – sendo o câncer a principal delas.
Assim como do yin nasce o yang e vice-versa, datam também dos remotos anos 70 a busca por outro alimento. A inspiração veio do Oriente, da macrobiótica, que tem como base o equilíbrio entre sódio e potássio. Na capa de Refazenda, álbum de 1975, Gilberto Gil está sentado em postura de lótus, de quimono azul celeste, comendo com hashi. “Abacateiro, acataremos teu ato, teu recolhimento é justamente o significado da palavra temporão” – cantava. A lembrança veio em boa hora: já nos acostumávamos a comer tudo, de todo lugar, a qualquer tempo.
A partir dos anos 1980 também ampliaram se as lavouras orgânicas, os entrepostos e os restaurantes naturais. Vegetarianos ganharam visibilidade. Nasceram os movimentos mundiais de ecovilas. Surgiram as certificações e as feiras orgânicas, nas quais o alimento passa das mãos do produtor diretamente para as do consumidor. A primeira foi a de Porto Alegre, fundada em 1989, com a presença do ecologista José Lutzenberger (1926-2002).
Na mesma medida do progresso da devastação, ganhou escala e refinamento a produção agroecológica. O arroz biodinâmico Volkmann, por exemplo, cultivado desde 1983 em Sentinela do Sul (RS), é hoje revendido em mais de 800 entrepostos do país. “O mercado nacional acordou para os produtos orgânicos, não precisamos mais exportar”, diz seu produtor, João Batista Volkmann, que acaba de falar sobre “as forças vivas na lavoura de arroz” no I Congresso Internacional de Arroz Orgânico, ocorrido em Montpellier, na França, em agosto.

Mudança de hábito
Nesses últimos 40 anos, a vida nas cidades mudou. As mulheres entraram no mercado de trabalho e o hábito de comer na rua se consolidou. Substituímos os alimentos tradicionais, com hidratos de carbono complexos, fibras, vitaminas e minerais, por outros com hidratos de carbono de absorção rápida: alimentos processados, refrigerantes, salgadinhos com alto teor de gordura saturada e gordura trans – a chamada junk food, a comida pré-fabricada turbinada por produtos químicos. Mais de 80% dos brasileiros, de todas as idades, seguem, hoje, dieta inadequada. Ao mesmo tempo, com a melhoria na distribuição de renda e o aumento da prosperidade, o consumo per capita de bovinos atingiu 37,5 quilos em 2010, 5% a mais do que em 2009, apesar de uma alta de 38% no preço.
Fiéis às nossas raízes, felizmente continuamos comendo o tradicional feijão com arroz, uma mistura proteica rica em minerais e vitaminas. Mas ingerimos carne vermelha em excesso, e apenas um em cada dez brasileiros se alimenta com frutas, legumes e verduras recomendáveis. Acrescente-se a isso doses excessivas de gordura saturada, sal e açúcar – este, usado e abusado no cafezinho, alimento mais ingerido no país. As informações são da Análise do Consumo Alimentar Pessoal no Brasil, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na Pesquisa de Orçamentos Familiares (2008-2009).
As calorias baratas que lotam os supermercados contribuem com números recorde de doenças relacionadas à alimentação. “Há hoje mais obesos e pessoas com sobrepeso no mundo do que famintos. Os custos para o sistema de saúde e o comprometimento da qualidade de vida são imensos: será que as empresas não têm nada a ver com isso?”, pergunta o professor da FEA-USP Ricardo Abramovay, autor de Muito Além da Economia Verde. “Estamos plantando uma bomba-relógio nos corpos das crianças do mundo inteiro”, afirma Raj Patel, autor de Stuffed & Starved – The Hidden Battle for the World Food System (Cheios & Famintos – A Batalha Secreta Pelo Sistema Mundial de Alimentos), de 2007. “Hoje, os mexicanos tomam mais Coca-Cola que leite. O resultado é que um em cada dez mexicanos está diabético.”

De volta para casa
Diante da pressão das mudanças climáticas e do agravamento do desequilíbrio ambiental, o país parece estar se sensibilizando. Os conceitos de agroecologia, consumo responsável, bem-estar animal, segurança alimentar e nutricional, economia e finanças solidárias – que cada vez mais povoam nosso universo – esboçam um cenário em que sociedade, governo e empresas percebem ser necessário reorientar a alimentação do brasileiro.
A agricultura familiar – responsável por mais da metade da comida que chega à nossa mesa, embora represente não mais que um quarto das propriedades agrícolas – vem sendo impulsionada pelo governo. O Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) determina que pelo menos 30% dos recursos repassa dos para a alimentação escolar sejam aplicados na agricultura familiar. Em 2011, isso significou R$ 1 bilhão em frutas, legumes e verduras, que substituíram alimentos industrializados e levaram comida saudável às crianças.
O cenário se amplia com o recente decreto que instituiu, em agosto, a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO). Em seu artigo IV, ele aponta para uma “transição agroecológica: processo gradual de mudança de práticas e de manejo de agroecossistemas, tradicionais ou convencionais, por meio da transformação das bases produtivas e sociais do uso da terra e dos recursos naturais, que levem a sistemas de agricultura que incorporem princípios e tecnologias de base ecológica.”

Comer comida
“Coma comida”, aconselha o jornalista norte-americano Michael Pollan, autor de Em Defesa da Comida, de 2008 – campeão entre os mais vendidos segundo The New York Times. Diante da desordem alimentar dos Estados Unidos, onde o modelo turbinado chegou ao paroxismo, diz ainda: “Não muita, e principalmente legumes e verduras. A comida mais confiável é a da sua mãe. Coma só aquilo que sua bisavó reconheceria como alimento. Evite processados e, sempre que possível, troque o supermercado por uma feira de produtores orgânicos, onde poderá comprar alimento de época, no pico de sua qualidade nutricional, num clima de confiança.”
Para ele, o alimento possibilita a comunhão entre espécies. Como o italiano Carlo Petrini, criador do Slow Food, Pollan vê na cultura nosso melhor guia e considera as dietas tradicionais de cada região as mais adequadas para a saúde – a nossa e a do planeta. Não por acaso, a alimentação foi incorporada ao patrimônio imaterial da Unesco, por ser expressão da identidade dos povos, em um mundo assustadoramente padronizado. Tanto que cerca de 800 alimentos correm risco de desaparecer no mundo, dezenas deles no Brasil. Com eles sumiria também parte da nossa diversidade cultural – uma dívida irreparável para com as gerações que ainda habitarão este planeta.
 
Agroecologia premiada
O prêmio mais importante da agricultura orgânica mundial acaba de ser entregue à doutora Ana Primavesi, pioneira da agroecologia no Brasil. O One World Award, da International Federation of Organic Agriculture Movements, escolheu essa agrônoma de 92 anos pelo impulso que deu à agroecologia ao criar um paradigma alternativo ao da agricultura industrial. Ana foi receber o prêmio na Alemanha, pessoalmente, em setembro.
“Vivi numa época em que a agricultura química e a monocultura praticamente não existiam. O plantio único trouxe uma avalanche de doenças, aplacadas somente por agrotóxicos. Se continuar assim, em 20 ou 30 anos estará tudo deserto”, disse ao receber outra homenagem, o Prêmio Trip Transformadores 2010. Para Ana, ao contrário do que se diz, a terra viva pode gerar safras até cinco vezes maiores que as da agricultura convencional. “O adubo químico é basicamente formado por três elementos, e a planta necessita de 45”, ensina.
Nascida numa família de agricultores da Áustria e naturalizada brasileira, Ana lecionou por quatro décadas na Universidade Federal de Santa Maria (RS), cidade onde criou três filhos e escreveu vários livros. Por mais de 30 anos viveu num sítio em Itaí (SP), que comprou com o solo tomado por voçorocas e sem nascentes, mas recuperou e fez florescer. Mora hoje com a família em São Paulo (SP).
 

40 Anos de desordem alimentar


Terra onde, em se plantando, tudo dá, o Brasil cumpriu nas últimas décadas o vaticínio:  tornou-se celeiro do mundo. Nos anos 1970, surfou na onda da Revolução Verde e adotou o fertilizantes, a monocultura e a agricultura mecanizada. Quarenta anos depois, a onda virou tsunami: somos um exportador gigante de grãos e de carne. Mas e a busca por uma alimentação mais equilibrada?
A expansão do agronegócio e a cultura extensiva dos alimentos mecanizados e fertilizados também deixam um gosto imprevisto na boca dos brasileiros. O passivo ambiental legado por esse modelo industrial contabiliza erosão e esgotamento dos solos, poluição dos rios e aquíferos, desmatamento e extinção de espécies animais e vegetais. Se é verdade que a superpopulação mundial ganhou, nas últimas décadas, mais acesso a proteínas baratas, é mais que preocupante o número de pesquisas que ligam a indústria de agrotóxicos a doenças – sendo o câncer a principal delas.
Assim como do yin nasce o yang e vice-versa, datam também dos remotos anos 70 a busca por outro alimento. A inspiração veio do Oriente, da macrobiótica, que tem como base o equilíbrio entre sódio e potássio. Na capa de Refazenda, álbum de 1975, Gilberto Gil está sentado em postura de lótus, de quimono azul celeste, comendo com hashi. “Abacateiro, acataremos teu ato, teu recolhimento é justamente o significado da palavra temporão” – cantava. A lembrança veio em boa hora: já nos acostumávamos a comer tudo, de todo lugar, a qualquer tempo.
A partir dos anos 1980 também ampliaram se as lavouras orgânicas, os entrepostos e os restaurantes naturais. Vegetarianos ganharam visibilidade. Nasceram os movimentos mundiais de ecovilas. Surgiram as certificações e as feiras orgânicas, nas quais o alimento passa das mãos do produtor diretamente para as do consumidor. A primeira foi a de Porto Alegre, fundada em 1989, com a presença do ecologista José Lutzenberger (1926-2002).
Na mesma medida do progresso da devastação, ganhou escala e refinamento a produção agroecológica. O arroz biodinâmico Volkmann, por exemplo, cultivado desde 1983 em Sentinela do Sul (RS), é hoje revendido em mais de 800 entrepostos do país. “O mercado nacional acordou para os produtos orgânicos, não precisamos mais exportar”, diz seu produtor, João Batista Volkmann, que acaba de falar sobre “as forças vivas na lavoura de arroz” no I Congresso Internacional de Arroz Orgânico, ocorrido em Montpellier, na França, em agosto.

Mudança de hábito
Nesses últimos 40 anos, a vida nas cidades mudou. As mulheres entraram no mercado de trabalho e o hábito de comer na rua se consolidou. Substituímos os alimentos tradicionais, com hidratos de carbono complexos, fibras, vitaminas e minerais, por outros com hidratos de carbono de absorção rápida: alimentos processados, refrigerantes, salgadinhos com alto teor de gordura saturada e gordura trans – a chamada junk food, a comida pré-fabricada turbinada por produtos químicos. Mais de 80% dos brasileiros, de todas as idades, seguem, hoje, dieta inadequada. Ao mesmo tempo, com a melhoria na distribuição de renda e o aumento da prosperidade, o consumo per capita de bovinos atingiu 37,5 quilos em 2010, 5% a mais do que em 2009, apesar de uma alta de 38% no preço.
Fiéis às nossas raízes, felizmente continuamos comendo o tradicional feijão com arroz, uma mistura proteica rica em minerais e vitaminas. Mas ingerimos carne vermelha em excesso, e apenas um em cada dez brasileiros se alimenta com frutas, legumes e verduras recomendáveis. Acrescente-se a isso doses excessivas de gordura saturada, sal e açúcar – este, usado e abusado no cafezinho, alimento mais ingerido no país. As informações são da Análise do Consumo Alimentar Pessoal no Brasil, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na Pesquisa de Orçamentos Familiares (2008-2009).
As calorias baratas que lotam os supermercados contribuem com números recorde de doenças relacionadas à alimentação. “Há hoje mais obesos e pessoas com sobrepeso no mundo do que famintos. Os custos para o sistema de saúde e o comprometimento da qualidade de vida são imensos: será que as empresas não têm nada a ver com isso?”, pergunta o professor da FEA-USP Ricardo Abramovay, autor de Muito Além da Economia Verde. “Estamos plantando uma bomba-relógio nos corpos das crianças do mundo inteiro”, afirma Raj Patel, autor de Stuffed & Starved – The Hidden Battle for the World Food System (Cheios & Famintos – A Batalha Secreta Pelo Sistema Mundial de Alimentos), de 2007. “Hoje, os mexicanos tomam mais Coca-Cola que leite. O resultado é que um em cada dez mexicanos está diabético.”

De volta para casa
Diante da pressão das mudanças climáticas e do agravamento do desequilíbrio ambiental, o país parece estar se sensibilizando. Os conceitos de agroecologia, consumo responsável, bem-estar animal, segurança alimentar e nutricional, economia e finanças solidárias – que cada vez mais povoam nosso universo – esboçam um cenário em que sociedade, governo e empresas percebem ser necessário reorientar a alimentação do brasileiro.
A agricultura familiar – responsável por mais da metade da comida que chega à nossa mesa, embora represente não mais que um quarto das propriedades agrícolas – vem sendo impulsionada pelo governo. O Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) determina que pelo menos 30% dos recursos repassa dos para a alimentação escolar sejam aplicados na agricultura familiar. Em 2011, isso significou R$ 1 bilhão em frutas, legumes e verduras, que substituíram alimentos industrializados e levaram comida saudável às crianças.
O cenário se amplia com o recente decreto que instituiu, em agosto, a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO). Em seu artigo IV, ele aponta para uma “transição agroecológica: processo gradual de mudança de práticas e de manejo de agroecossistemas, tradicionais ou convencionais, por meio da transformação das bases produtivas e sociais do uso da terra e dos recursos naturais, que levem a sistemas de agricultura que incorporem princípios e tecnologias de base ecológica.”

Comer comida
“Coma comida”, aconselha o jornalista norte-americano Michael Pollan, autor de Em Defesa da Comida, de 2008 – campeão entre os mais vendidos segundo The New York Times. Diante da desordem alimentar dos Estados Unidos, onde o modelo turbinado chegou ao paroxismo, diz ainda: “Não muita, e principalmente legumes e verduras. A comida mais confiável é a da sua mãe. Coma só aquilo que sua bisavó reconheceria como alimento. Evite processados e, sempre que possível, troque o supermercado por uma feira de produtores orgânicos, onde poderá comprar alimento de época, no pico de sua qualidade nutricional, num clima de confiança.”
Para ele, o alimento possibilita a comunhão entre espécies. Como o italiano Carlo Petrini, criador do Slow Food, Pollan vê na cultura nosso melhor guia e considera as dietas tradicionais de cada região as mais adequadas para a saúde – a nossa e a do planeta. Não por acaso, a alimentação foi incorporada ao patrimônio imaterial da Unesco, por ser expressão da identidade dos povos, em um mundo assustadoramente padronizado. Tanto que cerca de 800 alimentos correm risco de desaparecer no mundo, dezenas deles no Brasil. Com eles sumiria também parte da nossa diversidade cultural – uma dívida irreparável para com as gerações que ainda habitarão este planeta.
 
Agroecologia premiada
O prêmio mais importante da agricultura orgânica mundial acaba de ser entregue à doutora Ana Primavesi, pioneira da agroecologia no Brasil. O One World Award, da International Federation of Organic Agriculture Movements, escolheu essa agrônoma de 92 anos pelo impulso que deu à agroecologia ao criar um paradigma alternativo ao da agricultura industrial. Ana foi receber o prêmio na Alemanha, pessoalmente, em setembro.
“Vivi numa época em que a agricultura química e a monocultura praticamente não existiam. O plantio único trouxe uma avalanche de doenças, aplacadas somente por agrotóxicos. Se continuar assim, em 20 ou 30 anos estará tudo deserto”, disse ao receber outra homenagem, o Prêmio Trip Transformadores 2010. Para Ana, ao contrário do que se diz, a terra viva pode gerar safras até cinco vezes maiores que as da agricultura convencional. “O adubo químico é basicamente formado por três elementos, e a planta necessita de 45”, ensina.
Nascida numa família de agricultores da Áustria e naturalizada brasileira, Ana lecionou por quatro décadas na Universidade Federal de Santa Maria (RS), cidade onde criou três filhos e escreveu vários livros. Por mais de 30 anos viveu num sítio em Itaí (SP), que comprou com o solo tomado por voçorocas e sem nascentes, mas recuperou e fez florescer. Mora hoje com a família em São Paulo (SP).
Planeta Ipanema

Eram os deuses geométricos?

Eram os deuses geométricos?

Novos sítios arqueológicos na Amazônia poderão revelar surpresas sobre o passado dos habitantes da América do Sul antes da chegada dos colonizadores.


O desmatamento no sudeste do Acre já revelou 270 geoglifos indígenas. O tamanho dos aterros sugere que as antigas sociedades amazônicas eram mais numerosas do que se supunha.
Equipes multidisciplinares do Brasil, dos Estados Unidos, da Finlândia e do Reino Unido estão pesquisando na Amazônia o passado dos povos que habitaram a região muito antes da formação da maior floresta do planeta. Baseados em imagens aéreas, os cientistas estudam centenas de geoglifos - imensas figuras circulares, quadradas, retangulares, octogonais ou com outras formas geométricas desenhadas no solo do Acre, de Rondônia, do sul do Amazonas e do norte da Bolívia. A análise dessas colossais estruturas de terra sugere que uma civilização maior e mais desenvolvida do que se supunha já vivia na região antes do Descobrimento do Brasil.
A versão histórica predominante é de que a Amazônia era povoada por pequenas tribos de índios, que viviam em terra firme, em locais distantes dos rios. No entanto, as fotografias aéreas e as imagens de satélite desmistificam essa teoria, pois mostram que os geoglifos foram erguidos tanto em solo firme quanto em terrenos próximos aos rios. A descoberta também coloca em xeque a teoria de que os povos amazônicos viviam em sociedades simples, que nada produziam de perene além de cerâmicas.
O questionamento sobre as "limitações materiais" das culturas amazônicas começou na década de 1990, quando o geógrafo e paleontólogo Alceu Ranzi, ao sobrevoar a região, viu várias dessas estruturas. Ao constatar que estava diante de um fenômeno regional e as vastas construções eram artificiais, batizou-as com o nome de geoglifos, cujo significado quer dizer desenho na terra. Hoje, sabe-se que os geoglifos amazônicos foram erguidos a partir da escavação de um fosso. A terra escavada ia sendo colocada cuidadosamente na parte externa e formava uma mureta. Desse modo, criava-se um desenho geométrico, em alto e baixo relevo.
Trata-se de uma construção engenhosa. Os aterros geométricos desenhados na terra têm de 113 a 200 metros de largura e de 30 centímetros a 5 metros de profundidade. Em 1977, foram vistos pela primeira vez no Acre, quando o arqueólogo Ondemar Dias fez um levantamento deles no âmbito do Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas na Bacia Amazônica, do qual participaram Ranzi e o arqueólogo Franklin Levy.
Na ocasião, a equipe identificou 8 geoglifos circulares, mas a pesquisa não foi divulgada. Entre 1986 e 1999, Ranzi identificou 24 novas estruturas. A descoberta só foi possível devido ao desmatamento da região nos últimos 40 anos. Até a década de 1970 os grandes projetos agropecuários não haviam invadido a Amazônia Ocidental, a floresta estava intacta e os geoglifos permaneciam escondidos pela copa de árvores, o que impossibilitava a observação.
Em 2000, as pesquisas se intensificaram, assim como os sobrevoos para a obtenção de fotos aéreas visando ao registro. Imagens de satélite e do Google Earth permitiram a localização de novos geoglifos sem a necessidade de usar aviões. Hoje, graças às novas tecnologias, já foram identificadas 270 construções. Contudo, os pesquisadores afirmam que, em razão da dificuldade de se observar a Amazônia via satélite, os geoglifos encontrados podem ser apenas 10% do total existente na região.
Rituais religiosos
Os pesquisadores ainda não sabem qual a finalidade dessas imensas obras dos antigos povos amazônicos. Alguns acreditam que tinham um significado simbólico ou religioso. Outros acham que a remoção da vegetação que realizaram pode ter tido algum tipo de função militar. De qualquer modo, descobrir quais foram as culturas amazônicas responsáveis pela construção dos geoglifos faz parte dos objetivos dos projetos multidisciplinares em andamento.
Outra incógnita é a grandiosidade das estruturas do Acre. Para Michael Heckenberger, da Universidade da Flórida (EUA), os geoglifos tinham finalidades cerimoniais. Uma das razões de sua monumentalidade seria a comunicação com seres superiores. "Não temos inferências para afirmar que os geoglifos estavam alinhados ou direcionados para algum corpo celeste", diz Denise Pahl Schaan, pesquisadora do CNPq e coordenadora do grupo de pesquisa Geoglifos da Amazônia Ocidental.
"As imensas valetas serviam para circundar um espaço aberto interno que era usado para encontros, rituais religiosos e moradia em alguns casos", prossegue Denise. Segundo ela, os construtores dos geoglifos constituíram as primeiras sociedades sedentárias do Acre. Eles habitaram a região há mais de 2.000 anos e, possivelmente, foram povos agricultores.
Os maiores inimigos dos geoglifos são as plantações de cana, o pisoteio do gado, as máquinas agrícolas, os assentamentos de terra e as estradas.
Co-organizadora do livro Geoglifos - Paisagens da Amazônia Ocidental, Denise lembra que, em 1887, o então governador de Manaus (AM) ordenou ao coronel Antonio Labre subir o Rio Madeira e encontrar uma rota por terra em meio aos entrepostos de produção de borracha no Rio Madre de Diós e algum ponto navegável do Rio Acre. Ao seguir por terra até o Rio Acre, Labre passou por várias vilas da etnia araona (da família linguística tacana).
Na fronteira do Estado, o militar encontrou uma vila povoada por umas 200 pessoas e ficou impressionado com a sua organização social. Ali aprendeu que aqueles povos adoravam deuses de formato geométrico, esculpidos em madeira. As efígies eram mantidas em templos no meio da floresta. O pai dos deuses tinha forma elíptica e chamava-se Epymará. "Labre não descreveu os templos, mas tudo nos leva a cogitar sobre as possíveis funções religiosas dos geoglifos, encontrados não muito longe das antigas aldeias araonas", comenta Denise.
Savana
A ocorrência de geoglifos no Acre também é um forte indicativo de ausência da floresta. Posteriormente, a mata ocupou e recobriu a paisagem cultural dos povos construtores dos aterros. Denise diz que é provável que na região existissem áreas abertas, de savana, mas os cientistas ainda não têm certeza. Por isso, coletaram amostras para realizar análises que deverão esclarecer o assunto. O material está sendo analisado no Reino Unido, na Universidade de Exeter.
Para realizar as pesquisas, os cientistas recorrem ao sensoriamento remoto, técnica que utiliza imagens de satélites, fotografias aéreas e sobrevoos com pequenos aviões, além de um georradar da Universidade Federal do Pará. "A disponibilidade de imagens de satélite tem sido fundamental para os nossos estudos, assim como softwares para cruzamento de dados culturais e geográficos, como o ArcGis. Além das imagens gratuitas do Google Earth, o governo do Acre nos fornece imagens do satélite Formosat", afirma Denise.
Os cientistas também visitam os sítios identificados para tirar medidas, fazer coletas e registros. O estudo contribui para novas interpretações sobre como os antigos amazônidas viviam e como era a sua organização sociopolítica. "Esse conhecimento é fundamental para subsidiar programas de preservação do patrimônio arqueológico da região", explica Denise.
Apesar de sua relevância, os geoglifos estão ameaçados. Seus maiores inimigos são as plantações de cana, o pisoteio do gado, as máquinas agrícolas, os assentamentos de terra e as estradas, que já danificaram muitos deles.
Texto: fabiola@planetanaweb.com.br
Para saber mais
Geoglifos - Paisagens da Amazônia Ocidental, organizadores Denise Pahl Schaan, Alceu Ranzi e Antonia Damasceno Barbosa, 100 págs., R$ 50. Exemplares podem ser adquiridos pelo e-mail: ppgacampos@ufpa.br.

Viagem sem volta a Marte

Viagem sem volta a Marte

Duzentas mil pessoas se candidataram para participar do projeto para colonizar o Planeta Vermelho. Cientistas criticam a seleção de pessoal por meio de reality show de tevê.

Viagem sem volta a Marte
 
Duzentas mil pessoas já se candidataram para participar do projeto Mars One, que em 2023, pretende levar astronautas para colonizar o Planeta Vermelho. A iniciativa desperta apoio e crítica dos cientistas. Sobretudo por selecionar pessoal em competições de reality show de tevê.
 
Quem quer encarar uma viagem de sete meses até Marte, enfrentar problemas como raios cósmicos e microgravidade e ficar por lá o resto da vida, à temperatura de menos 60º  centígrados e sem oxigênio no ar? Até agora, essa proposta, feita pelo projeto Mars One, já seduziu 202.586 pessoas de todo o mundo que, de abril a agosto, se candidataram a integrar a primeira expedição para colonizar Marte. Segundo a coordenação do projeto, representantes de mais de 140 países inscreveram-se para a jornada sem volta. Os Estados Unidos lideram no número de candidatos (24% do total), seguidos por Índia (10%), China (6%), Brasil (5%) e Grã-Bretanha (4%). Em princípio, todos se consideram aptos a integrar a missão. O portal do projeto (www.mars-one.com) fornece informações básicas sobre as condições físicas e psíquicas necessárias, a idade mínima (18 anos) e uma lista de requisitos  fundamentais como “resiliência, adaptabilidade, curiosidade, habilidade para confi ar, criatividade e engenhosidade”.
O Comitê de Seleção do Mars One já começou a avaliar as candidaturas. Notifi cados no fim deste ano, os escolhidos deverão apresentar um atestado médico sobre sua saúde e serão entrevistados, em 2014, por um membro do comitê. Em 2015, seis equipes, cada uma com quatro integrantes, serão selecionadas para sete anos de treinamento, e em 2023 a primeira delas deverá chegar a Marte. Outros grupos a seguirão, a intervalos de dois anos, escolhidos por programas regulares de recrutamento que formarão novas equipes.
O Mars One é um sonho antigo do engenheiro mecânico holandês Bas Lansdorp, que em 2011 vendeu sua participação numa companhia de energia eólica para se dedicar ao plano ambicioso de colonizar Marte. No projeto, ele conta com uma equipe na qual desponta o americano Norbert Kraft, com quase 20 anos de trabalho na Nasa e em outras agências espaciais. Médico-chefe da missão, Kraft é especialista no desenvolvimento de programas fisiológicos e psicológicos para combater os efeitos negativos de voos de longa duração. O Mars One conta ainda com consultores internacionais nas áreas relacionadas à missão, como a brasileira ais Russomano, professora-adjunta da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), especializada em medicina aeroespacial, e com “embaixadores” que ajudam a disseminar a iniciativa, como o holandês Gerard ’t Hooft, Prêmio Nobel de Física em 1999.

Evento midiático

Um objetivo o projeto já conquistou: atrair a atenção global do meio acadêmico e da sociedade. “Fiquei ciente do projeto pela internet”, afirma a brasileira ais, que acertou sua participação como consultora numa conversa pessoal com o próprio Lansdorp. A imprensa tem dado ampla divulgação à iniciativa – como a PLANETA está fazendo. “Desde que iniciamos o Mars One, em março de 2011, recebemos apoio de cientistas, engenheiros, empresários e companhias aeroespaciais de todo o mundo”, diz Lansdorp. “O anúncio do nosso plano em maio de 2012 resultou no engajamento do público em geral e no apoio de patrocinadores e investidores.”
A equipe do Mars One garante que a tecnologia disponível já permite viajar para Marte e sobreviver lá. A água, por exemplo, será obtida aquecendo- se as partículas de gelo do subsolo,
condensando o vapor resultante em reservatórios específi cos. Isso também ajudará a produzir ar para a base, juntamente com o nitrogênio e o argônio fi ltrados da atmosfera marciana.
Quando o primeiro grupo chegar a Marte, o sistema de suporte à vida da missão já terá estocado 3 mil litros de água e 120 quilos de oxigênio. Frutas, verduras e legumes cultivados hidroponicamente constituirão o cardápio cotidiano. Além disso, naves levarão abastecimento da Terra em intervalos regulares.

Embora a equipe demonstre constante otimismo, a missão obviamente contém riscos. “Os principais são a exposição à radiação e à microgravidade durante o voo de sete meses (56
milhões de quilômetros de distância), prejudiciais ao sistema músculo esquelético, e o ambiente hostil de Marte, cujo estresse gera questões psicossociais”, avalia ais Russomano. A radiação, que engloba os raios cósmicos galácticos e solares, é considerada pela Nasa (a agência espacial americana) um obstáculo fundamental às viagens espaciais, por aumentar o risco de câncer.

Não é brincadeira. Baseado na missão que levou o veículo motorizado Curiosity a Marte, em 2012, o Southwest Research Institute, dos EUA, calcula que só a viagem até o planeta vermelho importa na absorção de 330 milisieverts de radiação no organismo, o equivalente a uma tomografia de corpo inteiro a cada cinco ou seis dias, durante um ano. Para controlar
o risco de câncer no espaço, as agências espaciais limitam em 1.000 milisieverts a exposição acumulada de uma pessoa em vida. Portanto, tanto as na ves que levarão os astronautas quanto a base marciana exigirão blindagens bem mais resistentes do que as atuais.

Caça ao dinheiro

Uma pergunta crucial em um projeto de tal porte é o custo. Para Lansdorp, a conta bate em US$ 6 bilhões, muito menos do que os US$ 100 bilhões que a Nasa previu gastar em uma
missão tripulada a Marte, em 2009. Mas vale lembrar que a agência espacial americana queria trazer seus astronautas de volta, enquanto o Mars One afi rma que o custo da viagem de regresso inviabilizaria a iniciativa. De qualquer modo, trata-se de uma dinheirama e, como os patrocinadores apresentados no site não têm grande poderio econômico, o Mars One busca
aproveitar toda oportunidade disponível para fazer caixa.

As inscrições, por exemplo, são pagas. Na primeira versão, a taxa variou de US$ 5 (para candidatos da pobre Somália) a US$ 73 (para pretendentes do rico Catar). Os americanos gastaram US$ 38 per capita; os brasileiros, US$ 13. Como em abril Lansdorp disse esperar um milhão de inscrições, já existe um belo buraco no orçamento. Assistir ao documentário One Way Astronaut (Astronauta sem Volta), disponível no site, custa US$ 2,95 (por visualização online) ou US$ 4,95 (por download). No portal também há uma página de doações e uma loja virtual que oferece agasalhos, camisetas, canecas, pôsteres e adesivos com imagens ligadas à missão.
A grande esperança do projeto para obter financiamento é um reality show de tevê e internet no qual os candidatos terão de vencer desafios relacionados à viagem. “Estamos falando sobre criar um grandioso espetáculo de mídia, muito maior do que os pousos na Lua ou as Olimpíadas”, diz Lansdorp. Convenientemente, um dos “embaixadores” do Mars One é o holandês Paul Römer, cocriador do primeiro reality show Big Brother, levado ao ar em mais de 40 países. “Essa missão a Marte pode ser o maior evento de mídia do mundo”, afi rma ele. “A realidade encontra um show de talentos sem final, com o mundo inteiro assistindo.” Lansdorp está em plena negociação com emissoras e patrocinadores.
A ideia é promover seleções regionais, nas quais competirão entre 20 e 40 candidatos. Os telespectadores selecionariam um dos fi nalistas e os especialistas do Mars One escolheriam
os demais. Os eleitos serão distribuídos pelo Comitê de Seleção em grupos, com pessoas de nacionalidades diferentes (toda a comunicação, então, já será feita em inglês), e participarão
de outro reality show, no qual demonstrarão sua capacidade de viver e trabalhar em equipe em condições complexas, em locais que simulam ambientes marcianos.

O desempenho levará à escolha de 24 pessoas, divididas em seis grupos, que serão contratadas pelo Mars One. Em 2015, elas iniciarão o treinamento para a missão. A defi nição sobre qual dos grupos fará a viagem inaugural será outra decisão compartilhada entre o Comitê de Seleção e os espectadores (com mais uma oportunidade de faturar, é claro). “Porque nossa missão é uma missão da humanidade, faremos disso uma decisão democrática”, explica o Mars One em seu site. “As pessoas da Terra votarão em qual grupo terá os primeiros embaixadores da Terra em Marte.”
A retórica não basta para convencer os críticos. Marcos Pontes, o primeiro brasileiro a ir ao espaço, não acredita no sucesso da operação, porque considera inviável o cronograma divulgado pelo Mars One. Para ele, os primeiros exploradores não viveriam mais do que dez anos. “Os tripulantes do projeto irão se sacrifi car pelos outros, pelo futuro”, avalia o astronauta. Numa entrevista à BBC em 2012, Chris Welch, diretor dos Masters Programs da Estação Espacial Internacional, declarou: “Mesmo ignorando a divergência potencial entre a arrecadação do projeto e seus custos e as questões sobre sua viabilidade em longo prazo, a proposta do Mars One não demonstra uma compreensão sufi cientemente profunda dos problemas para propiciar uma confi ança plena de que seria capaz de cumprir seu ambiciosíssimo planejamento”. O tempo vai mostrar, nos próximos anos, qual é o verdadeiro fôlego do sonho de Bas Lansdorp.
Revista Planeta