sábado, 28 de maio de 2011

Trocas à mesa que derrubam os triglicerides

Apesar de menos conhecida — e combatida — do que o colesterol, essa gordura também faz estragos pelo corpo, sobretudo na cabeça. Ainda bem que simples substituições no cardápio garantem proteção contra ela

por THEO RUPRECHT, com reportagem de ANDRÉ BIERNATH design ANA PAULA MEGDA


Não é segredo nenhum que em um delicioso muffin residem calorias capazes de fazer a barriga crescer. Também está na boca do povo que o excesso de glicose vindo desse e de outros doces consegue abalar, aos poucos, a saúde dos diabéticos. Mas por trás de comidas açucaradas ou gordurosas se escondem outros inimigos do bem-estar: os triglicérides. Justamente para ti - rá-los da sombra, Borge Nordestgaard, clínico-geral do Hospital Universitário de Copenhague, na Dinamarca, reuniu-se com outros pesquisadores de seu país e avaliou o cérebro de 13 951 pessoas.

Surpreendentemente, os dados analisados sugerem que grandes taxas dessa gordura no organismo trazem um risco significativo de derrames isquêmicos — aqueles caracterizados pelo entupimento dos vasos sanguíneos. Para sermos exatos, uma predisposição até 3,9 vezes maior para mulheres e 2,3 maior para homens. "De acordo com nosso estudo, índices altos de triglicérides estão até mais relacionados com acidentes vasculares cerebrais do que doses elevadas de colesterol", avisa Nordestgaard a SAÚDE!.

O motivo de essa substância afetar tanto a massa cinzenta ainda não está elucidado. Sabe-se que ela dificulta o fluxo do sangue — o que não é um grande achado. "Partículas remanescentes podem penetrar nas paredes das artérias e formar placas, um fator de risco para problemas cardiovasculares em geral", explica Ana Paula Chacra, cardiologista da Unidade Clínica de Dislipidemias do Instituto do Coração, em São Paulo.

Se levarmos em conta que aproximadamente 80% dos triglicérides circulantes no corpo surgem por meio da alimentação, um passo essencial para se manter livre deles é ficar de olho nas refeições — e especificamente nos carboidratos simples e nas gorduras saturadas ou trans. Afinal, enquanto um generoso pedaço de bolo, representante alimentício do primeiro grupo, é convertido nessas nefastas moléculas dentro do fígado, um toucinho, por exemplo, é fonte direta de você sabe bem o quê. Logo, alterações alimentares como a exemplificada à direita, que reduzem o aporte desses dois nutrientes, são preconizadas para se manter resguardado contra o problema.
Uma dieta amiga do peito e da massa cinzenta vai muito além do controle de certos nutrientes. "Ela deve, por exemplo, conter fibras, que diminuem a velocidade de absorção dos carboidratos", explica a nutricionista Liliana Bricarello, do Centro Universitário São Camilo, na capital paulista. Então, é como se essa fonte de energia fosse aproveitada aos poucos, evitando assim que se transforme no vilão do momento.

Em outras palavras, em vez do pão branco e do arroz polido, prefira suas versões integrais — até porque elas proporcionam uma maior sensação de saciedade. "Se fica com pouca fome, o indivíduo tende a comer menos fontes de triglicérides", relata a nutricionista Cristiane Kovacs, coordenadora do Ambulatório de Nutrição Clínica do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, em São Paulo.

O bendito ômega-3
Se as gorduras saturadas além da conta não fazem parte de uma culinária saudável, as insaturadas, por outro lado, vêm ganhando cada vez mais o respeito dos especialistas. Dentre elas, destaca-se o ômega-3, que previne tromboses, inflamações e, acredite se quiser, a escalada dos triglicérides. "Ele atua sobre gorduras perigosas que tendem a se depositar dentro das artérias", esclarece Rodrigo Oliveira, nutricionista do Instituto de Metabolismo e Nutrição, em São Paulo. Esse efeito assegura que o sangue circule sem nenhum impedimento dos pés à cabeça.

O tal ácido graxo é achado principalmente em óleos vegetais e em peixes de águas frias. Até por isso a Organização Mundial da Saúde recomenda a ingestão de pelo menos duas porções desse tipo de carne por semana. "Esse hábito infelizmente não é comum aqui no Brasil", lamenta Cristiane. Está aí um fato que dá para ser modificado com alguma facilidade. Isso porque, em matéria de ômega-3, a sardinha, ao alcance da mão em qualquer supermercado verde-amarelo, se compara ao salmão e ao bacalhau. E leva vantagem por sair bem mais em conta.

Claro que, em alguns casos, só a intervenção médica tem o poder de regular a quantidade de triglicérides que rondam o organismo (veja mais no quadro à esquerda). Também se deve destacar a importância dos exercícios no controle dessa partícula agressora. "Nós as utilizamos como fonte de energia quando nos exercitamos. Por esse motivo, as atividades físicas baixam seus níveis", elucida a cardiologista Ana Paula Chacra. Mas, com trocas inteligentes à mesa, tenha certeza: essa gordura de nome complicado vai dar menos trabalho aos seus vasos.Alimento de fibra
Os grãos presentes no pão integral — e que estão em falta no tipo branco — fazem um bem danado. Além de facilitarem a digestão, controlam a absorção de carboidratos e gorduras. Tudo isso pelo mesmo gosto do pãozinho normal!

O megapeixe
Numa batalha contra a carne vermelha, a sardinha leva muita vantagem: é barata e, em vez de gorduras saturadas, tem grandes doses de ômega-3. Para melhorar, esse peixe não fica muito atrás na oferta de proteínas, fundamentais para aplacar a fome.

Contagem aberta
Alimentos altamente gordurosos, como o queijo gouda, são fontes diretas de triglicérides. Para que você não tenha problemas no futuro, prefira o gosto leve e agradável do cottage, que apresenta míseros 4% de gordura, ganhando por nocaute dos outros queijos.

Cerco fechado
Normalmente, os exames de sangue presentes nos rotineiros checkups já medem os níveis de triglicérides. Recomenda-se que indivíduos com a árvore genealógica sem marcas de piripaques cardiovasculares analisem essas taxas já a partir dos 30 anos, uma vez a cada 12 meses. "Caso haja histórico familiar, e principalmente se os pais tiverem sido afetados, deve-se fazer a checagem bem mais cedo e com maior periodicidade", recomenda o cardiologista César Jardim, do Hospital do Coração, em São Paulo. Em casos de índices estratosféricos — ou quando a reeducação alimentar e a prática de exercícios físicos não dão conta do recado —, o uso de remédios pode tornar-se essencial. A sua prescrição, porém, varia conforme o caso. "O médico precisa avaliar o paciente por completo", ressalta Allyson Nakamoto, cardiologista do Hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo.

Um sono reparador
Quando não dormimos o mínimo necessário, o organismo produz menos hormônios responsáveis pela sensação de saciedade. Consequentemente, surge aquele apetite voraz, o passo inicial para comilanças que muito provavelmente terminarão em danos às artérias. Mas, segundo algumas evidências científicas, poucas horas debaixo dos lençóis talvez diminuam até a produção de enzimas específicas, como a lipase hepática, no fígado. E daí? "É possível que a falta delas durante a noite contribua para o aumento nas concentrações de triglicérides", responde a psicobióloga Neuli Tenório, pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo. Portanto, a ordem é reforçada: não postergue o momento de apagar as luzes e se entregar aos sonhos.

Quem escreveu a Bíblia?

 

 

A história de Deus foi escrita pelos homens. Mas quem é o autor do livro mais influente de todos os tempos? 

As respostas são surpreendentes - e vão mudar sua maneira de ver as Escrituras

por Texto José Francisco Botelho

Em algum lugar do Oriente Médio, por volta do século 10 a.C., uma pessoa decidiu escrever um livro. Pegou uma pena, nanquim e folhas de papiro (uma planta importada do Egito) e começou a contar uma história mágica, diferente de tudo o que já havia sido escrito. Era tão forte, mas tão forte, que virou uma obsessão. Durante os 1 000 anos seguintes, outras pessoas continuariam reescrevendo, rasurando e compilando aquele texto, que viria a se tornar o maior best seller de todos os tempos: a Bíblia. Ela apresentou uma teoria para o surgimento do homem, trouxe os fundamentos do judaísmo e do cristianismo, influenciou o surgimento do islã, mudou a história da arte – sem a Bíblia, não existiriam os afrescos de Michelangelo nem os quadros de Leonardo da Vinci – e nos legou noções básicas da vida moderna, como os direitos humanos e o livre-arbítrio. Mas quem escreveu, afinal, o livro mais importante que a humanidade já viu? Quem eram e o que pensavam essas pessoas? Como criaram o enredo, e quem ditou a voz e o estilo de Deus? O que está na Bíblia deve ser levado ao pé da letra, o que até hoje provoca conflitos armados? A resposta tradicional você já conhece: segundo a tradição judaico-cristã, o autor da Bíblia é o próprio Todo-Poderoso. E ponto final. Mas a verdade é um pouco mais complexa que isso.
A própria Igreja admite que a revelação divina só veio até nós por meio de mãos humanas. A palavra do Senhor é sagrada, mas foi escrita por reles mortais. Como não sobraram vestígios nem evidências concretas da maioria deles, a chave para encontrá-los está na própria Bíblia. Mas ela não é um simples livro: imagine as Escrituras como uma biblioteca inteira, que guarda textos montados pelo tempo, pela história e pela fé. Aliás, o termo “Bíblia”, que usamos no singular, vem do plural grego ta biblia ta hagia – “os livros sagrados”. A tradição religiosa sempre sustentou que cada livro bíblico foi escrito por um autor claramente identificável. Os 5 primeiros livros do Antigo Testamento (que no judaísmo se chamam Torá e no catolicismo Pentateuco) teriam sido escritos pelo profeta Moisés por volta de 1200 a.C. Os Salmos seriam obra do rei Davi, o autor de Juízes seria o profeta Samuel, e assim por diante. Hoje, a maioria dos estudiosos acredita que os livros sagrados foram um trabalho coletivo. E há uma boa explicação para isso.
As histórias da Bíblia derivam de lendas surgidas na chamada Terra de Canaã, que hoje corresponde a Líbano, Palestina, Israel e pedaços da Jordânia, do Egito e da Síria. Durante séculos acreditou-se que Canaã fora dominada pelos hebreus. Mas descobertas recentes da arqueologia revelam que, na maior parte do tempo, Canaã não foi um Estado, mas uma terra sem fronteiras habitada por diversos povos – os hebreus eram apenas uma entre muitas tribos que andavam por ali. Por isso, sua cultura e seus escritos foram fortemente influenciadas por vizinhos como os cananeus, que viviam ali desde o ano 5000 a.C. E eles não foram os únicos a influenciar as histórias do livro sagrado.
As raízes da árvore bíblica também remontam aos sumérios, antigos habitantes do atual Iraque, que no 3o milênio a.C. escreveram a Epopéia de Gilgamesh. Essa história, protagonizada pelo semideus Gilgamesh, menciona uma enchente que devasta o mundo (e da qual algumas pessoas se salvam construindo um barco). Notou semelhanças com a Bíblia e seus textos sobre o dilúvio, a arca de Noé, o fato de Cristo ser humano e divino ao mesmo tempo? Não é mera coincidência. “A Bíblia era uma obra aberta, com influências de muitas culturas”, afirma o especialista em história antiga Anderson Zalewsky Vargas, da UFRGS.
Foi entre os séculos 10 e 9 a.C. que os escritores hebreus começaram a colocar essa sopa multicultural no papel. Isso aconteceu após o reinado de Davi, que teria unificado as tribos hebraicas num pequeno e frágil reino por volta do ano 1000 a.C. A primeira versão das Escrituras foi redigida nessa época e corresponde à maior parte do que hoje são o Gênesis e o Êxodo. Nesses livros, o tema principal é a relação passional (e às vezes conflituosa) entre Deus e os homens. Só que, logo no começo da Beeblia, já existiu uma divergência sobre o papel do homem e do Senhor na história toda. Isso porque o personagem principal, Deus, é tratado por dois nomes diferentes.
Em alguns trechos ele é chamado pelo nome próprio, Yahweh – traduzido em português como Javé ou Jeová. É um tratamento informal, como se o autor fosse íntimo de Deus. Em outros pontos, o Todo-Poderoso é chamado de Elohim, um título respeitoso e distante (que pode ser traduzido simplesmente como “Deus”). Como se explica isso? Para os fundamentalistas, não tem conversa: Moisés escreveu tudo sozinho e usou os dois nomes simplesmente porque quis. Só que um trecho desse texto narra a morte do próprio Moisés. Isso indica que ele não é o único autor. Os historiadores e a maioria dos religiosos aceitam outra teoria: esses textos tiveram pelo menos outros dois editores.
Acredita-se que os trechos que falam de Javé sejam os mais antigos, escritos numa época em que a religiosidade era menos formal. Eles contêm uma passagem reveladora: antes da criação do mundo, “Yahweh não derramara chuva sobre a terra, e nem havia homem para lavrar o solo”. Essa frase, “não havia homem para lavrar o solo”, indica que, na primeira versão da Bíblia, o homem não era apenas mais uma criação de Deus – ele desempenha um papel ativo e fundamental na história toda. “Nesse relato, o homem é co-criador do mundo”, diz o teólogo Humberto Gonçalves, do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, no Rio Grande do Sul.
Pelo nome que usa para se referir a Deus (Javé), o autor desses trechos foi apelidado de Javista. Já o outro autor, que teria vivido por volta de 850 a.C., é apelidado de Eloísta. Mais sisudo e religioso, ele compôs uma narrativa bastante diferente. Ao contrário do Deus-Javé, que fez o mundo num único dia, o Deus-Elohim levou 6 (e descansou no 7o). Nessa história, a criação é um ato exclusivo de Deus, e o homem surge apenas no 6o dia, junto aos animais.
Tempos mais tarde, os dois relatos foram misturados por editores anônimos – e a narrativa do Eloísta, mais comportada, foi parar no início das Escrituras. Começando por aquela frase incrivelmente simples e poderosa, notória até entre quem nunca leu a Bíblia: “E, no início, Deus criou o céu e a terra...”
Em 589 a.C., Jerusalém foi arrasada pelos babilônios, e grande parte da população foi aprisionada e levada para o atual Iraque. Décadas depois, os hebreus foram libertados por Ciro, senhor do Império Persa – um conquistador “esclarecido”, que tinha tolerância religiosa. Aos poucos, os hebreus retornaram a Canaã – mas com sua fé transformada. Agora os sacerdotes judaicos rejeitavam o politeísmo e diziam que Javé era o único e absoluto deus do Universo. “O monoteísmo pode ter surgido pelo contato com os persas – a religião deles, o masdeísmo, pregava a existência de um deus bondoso, Ahura Mazda, em constante combate contra um deus maligno, Arimã. Essa noção se reflete até na idéia cristã de um combate entre Deus e o Diabo”, afirma Zalewsky, da UFRGS.
A versão final do Pentateuco surgiu por volta de 389 a.C. Nessa época, um religioso chamado Esdras liderou um grupo de sacerdotes que mudaram radicalmente o judaísmo – a começar por suas escrituras. Eles editaram os livros anteriores e escreveram a maior parte dos livros Deuteronômio, Números, Levítico e também um dos pontos altos da Bíblia: os 10 Mandamentos. Além de afirmar o monoteísmo sem sombra de dúvidas (“amarás a Deus acima de todas as coisas” é o primeiro mandamento), a reforma conduzida por Esdras impunha leis religiosas bem rígidas, como a proibição do casamento entre hebreus e não-hebreus. Algumas das leis encontradas no Levítico se assemelham à ética moderna dos direitos humanos: “Se um estrangeiro vier morar convosco, não o maltrates. Ama-o como se fosse um de vós”.
Outras passagens, no entanto, descrevem um Senhor belicoso, vingativo e sanguinário, que ordena o extermínio de cidades inteiras – mulheres e crianças incluídas. “Se a religião prega a compaixão, por que os textos sagrados têm tanto ódio?”, pergunta a historiadora americana Karen Armstrong, autora de um novo e provocativo estudo sobre a Bíblia. Para os especialistas, a violência do Antigo Testamento é fruto dos séculos de guerras com os assírios e os babilônios. Os autores do livro sagrado foram influenciados por essa atmosfera de ódio, e daí surgiram as histórias em que Deus se mostra bastante violento e até cruel. Os redatores da Bíblia estavam extravasando sua angústia.
Por volta do ano 200 a.C., o cânone (conjunto de livros sagrados) hebraico já estava finalizado e começou a se alastrar pelo Oriente Médio. A primeira tradução completa do Antigo Testamento é dessa época. Ela foi feita a mando do rei Ptolomeu 2o em Alexandria, no Egito, grande centro cultural da época. Segundo uma lenda, essa tradução (de hebraico para grego) foi realizada por 72 sábios judeus. Por isso, o texto é conhecido como Septuaginta. Além da tradução grega, também surgiram versões do Antigo Testamento no idioma aramaico – que era uma espécie de língua franca do Oriente Médio naquela época.
Dois séculos mais tarde, a Bíblia em aramaico estava bombando: ela era a mais lida na Judéia, na Samária e na Galiléia (províncias que formam os atuais territórios de Israel e da Palestina). Foi aí que um jovem judeu, grande personagem desta história, começou a se destacar. Como Sócrates, Buda e outros pensadores que mudaram o mundo, Jesus de Nazaré nada deixou por escrito – os primeiros textos sobre ele foram produzidos décadas após sua morte.
E o cristianismo já nasceu perseguido: por se recusarem a cultuar os deuses oficiais, os cristãos eram considerados subversivos pelo Império Romano, que dominava boa parte do Oriente Médio desde o século 1 a.C. Foi nesse clima de medo que os cristãos passaram a colocar no papel as histórias de Jesus, que circulavam em aramaico e também em coiné – um dialeto grego falado pelos mais pobres. “Os cristãos queriam compreender suas origens e debater seus problemas de identidade”, diz o teólogo Paulo Nogueira, da Universidade Metodista de São Paulo. Para fazer isso, criaram um novo gênero literário: o evangelho. Esse termo, que vem do grego evangélion (“boa-nova”), é um tipo de narrativa religiosa contando os milagres, os ensinamentos e a vida do Messias.
A maioria dos evangelhos escritos nos séculos 1 e 2 desapareceu. Naquela época, um “livro” era um amontoado de papiros avulsos, enrolados em forma de pergaminho, podendo ser facilmente extraviados e perdidos. Mas alguns evangelhos foram copiados e recopiados à mão, por membros da Igreja. Até que, por volta do século 4, tomaram o formato de códice – um conjunto de folhas de couro encadernadas, ancestral do livro moderno. O problema é que, a essa altura do campeonato, gerações e gerações de copiadores já haviam introduzido alterações nos textos originais – seja por descuido, seja de propósito. “Muitos erros foram feitos nas cópias, erros que às vezes mudaram o sentido dos textos. Em certos casos, tais erros foram também propositais, de acordo com a teologia do escrivão”, afirma o padre e teólogo Luigi Schiavo, da Universidade Católica de Goiás. Quer ver um exemplo?
Sabe aquela famosa cena em que Jesus salva uma adúltera prestes a ser apedrejada? De acordo com especialistas, esse trecho foi inserido no Evangelho de João por algum escriba, por volta do século 3. Isso porque, na época, o cristianismo estava cortando seu cordão umbilical com o judaísmo. E apedrejar adúlteras é uma das leis que os sacerdotes-escritores judeus haviam colocado no Pentateuco. A introdução da cena em que Jesus salva a adúltera passa a idéia de que os ensinamentos de Cristo haviam superado a Torá – e, portanto, os cristãos já não precisavam respeitar ao pé da letra todos os ensinamentos judeus.
A julgar pelo último livro da Bíblia cristã, o Apocalipse (que descreve o fim do mundo), o receio de ter suas narrativas “editadas” era comum entre os autores do Novo Testamento. No versículo 18, lê-se uma terrível ameaça: “Se alguém fizer acréscimos às páginas deste livro, Deus o castigará com as pragas descritas aqui”. Essa ameaça reflete bem o clima dos primeiros séculos do cristianismo: uma verdadeira baderna teológica, com montes de seitas defendendo idéias diferentes sobre Deus e o Messias. A seita dos docetas, por exemplo, acreditava que Jesus não teve um corpo físico. Ele seria um espírito, e sua crucificação e morte não passariam – literalmente – de ilusão de ótica. Já os ebionistas acreditavam que Jesus não nascera Filho de Deus, mas fora adotado, já adulto, pelo Senhor. A primeira tentativa de organizar esse caos das Escrituras ocorreu por volta de 142 – e o responsável não foi um clérigo, mas um rico comerciante de navios chamado Marcião.
A Bíblia segundo Marcião
Ele nasceu na atual Turquia, foi para Roma, converteu-se ao cristianismo, virou um teólogo influente e resolveu montar sua própria seleção de textos sagrados. A Bíblia de Marcião era bem diferente da que conhecemos hoje. Isso porque ele simpatizava com uma seita cristã hoje desaparecida, o gnosticismo. Para os gnósticos, o Deus do Velho Testamento não era o mesmo que enviara Jesus – na verdade, as duas divindades seriam inimigas mortais. O Deus hebraico era monstruoso e sanguinário, e controlava apenas o mundo material. Já o universo espiritual seria dominado por um Deus bondoso, o pai de Jesus. A Bíblia editada por Marcião continha apenas o Evangelho de João, 11 cartas de Paulo e nenhuma página do Velho Testamento. Se as idéias de Marcião tivessem triunfado, hoje as histórias de Adão e Eva no paraíso, a arca de Noé e a travessia do mar Vermelho não fariam parte da cultura ocidental. Mas, por volta de 170, o gnosticismo foi declarado proibido pelas autoridades eclesiásticas, e o primeiro editor da Bíblia cristã acabou excomungado.
Roma, até então pior inimiga dos cristãos, ia se rendendo à nova fé. Em 313, o imperador romano Constantino se aliou à Igreja. Ele pretendia usar a força crescente da nova religião para fortalecer seu império. Para isso, no entanto, precisava de uma fé una e sólida. A pressão de Constantino levou os mais influentes bispos cristãos a se reunirem no Concílio de Nicéia, em 325, para colocar ordem na casa de Deus. Ali, surgiu o cânone do cristianismo – a lista oficial de livros que, segundo a Igreja, realmente haviam sido inspirados por Deus.
“A escolha também era política. Um grupo afirmou seu poder e autoridade sobre os outros”, diz o padre Luigi. Esse grupo era o dos cristãos apostólicos, que ganharam poder ao se aliar com o Império Romano. Os apostólicos eram, por assim dizer, o “partido do governo”. E por isso definiram o que iria entrar, ou ser eliminado, das Escrituras.
Eles escolheram os evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João para representar a biografia oficial de Cristo, enquanto as invenções dos docetas, dos ebionistas e de outras seitas foram excluídas, e seus autores declarados hereges. Os textos excluídos do cânone ganharam o nome de “apócrifos” – palavra que vem do grego apocrypha, “o que foi ocultado”. A maioria dos apócrifos se perdeu – afinal de contas, os escribas da Igreja não estavam interessados em recopiá-los para a posteridade. Mas, com o surgimento da arqueologia, no século 19, pedaços desses textos foram encontrados nas areias do Oriente Médio. É o caso de um polêmico texto encontrado em 1886 no Egito. Ele é assinado por uma certa “Maria” que muitos acreditam ser a Madalena, discípula de Jesus, presente em vários trechos do Novo Testamento. O evangelho atribuído a ela é bem feminista: Madalena é descrita como uma figura tão importante quanto Pedro e os outros apóstolos. Nos primórdios do cristianismo, as mulheres eram aceitas no clero – e eram, inclusive, consideradas capazes de fazer profecias. Foi só no século 3 que o sacerdócio virou monopólio masculino, o que explicaria a censura da apóstola e seu testemunho. Aliás, tudo indica que Madalena não foi prostituta – idéia que teria surgido por um erro na interpretação do livro sagrado. No ano 591, o papa Gregório fez um sermão dizendo que Madalena e outra mulher, também citada nas Escrituras e essa sim ex-pecadora, na verdade seriam a mesma pessoa (em 1967, o Vaticano desfez o equívoco, limpando a reputação de Maria).
Na evolução da Bíblia, foram aparecendo vários trechos machistas – e suspeitos. É o caso de uma passagem atribuída ao apóstolo Paulo: “A mulher aprenda (...) com toda a sujeição. Não permito à mulher que ensine, nem que tenha domínio sobre o homem (...) porque Adão foi formado primeiro, e depois Eva”. É provável que Paulo jamais tenha escrito essas palavras – porque, na época em que ele viveu, o cristianismo não pregava a submissão da mulher. Acredita-se que essa parte tenha sido adicionada por algum escriba por volta do século 2.
Após a conversão do imperador Constantino, o eixo do cristianismo se deslocou do Oriente Médio para Roma. Só que, para completar a romanização da fé, faltava um passo: traduzir a palavra de Deus para o latim. A missão coube ao teólogo Eusebius Hyeronimus, que mais tarde viria a ser canonizado com o nome de são Jerônimo. Sob ordens do papa Damaso, ele viajou a Jerusalém em 406 para aprender hebraico e traduzir o Antigo e o Novo Testamento. Não foi nada fácil: o trabalho durou 17 anos.
Daí saiu a Vulgata, a Bíblia latina, que até hoje é o texto oficial da Igreja Católica. Essa é a Bíblia que todo mundo conhece. “A Vulgata foi o alicerce da Igreja no Ocidente”, explica o padre Luigi. Ela é tão influente, mas tão influente, que até seus erros de tradução se tornaram clássicos. Ao traduzir uma passagem do Êxodo que descreve o semblante do profeta Moisés, são Jerônimo escreveu em latim: cornuta esse facies sua, ou seja, “sua face tinha chifres”. Esse detalhe esquisito foi levado a sério por artistas como Michelangelo – sua famosa escultura representando Moisés, hoje exposta no Vaticano, está ornada com dois belos corninhos. Tudo porque Jerônimo tropeçou na palavra hebraica karan, que pode significar tanto “chifre” quanto “raio de luz”. A tradução correta está na Septuaginta: o profeta tinha o rosto iluminado, e não chifrudo. Apesar de erros como esse, a Vulgata reinou absoluta ao longo da Idade Média – durante séculos, não houve outras traduções.
O único jeito de disseminar o livro sagrado era copiá-lo à mão, tarefa realizada pelos monges copistas. Eles raramente saíam dos mosteiros e passavam a vida copiando e catalogando manuscritos antigos. Só que, às vezes, também se metiam a fazer o papel de autores.
Após a queda do Império Romano, grande parte da literatura da Antiguidade grega e romana se perdeu – foi graças ao trabalho dos monges copistas que livros como a Ilíada e a Odisséia chegaram até nós. Mas alguns deles eram meio malandros: costumavam interpolar textos nas Escrituras Sagradas para agradar a reis e imperadores. No século 15, por exemplo, monges espanhóis trocaram o termo “babilônios” por “infiéis” no texto do Antigo Testamento – um truque para atacar os muçulmanos, que disputavam com os espanhóis a posse da península Ibérica.
Escrituras em série
Tudo isso mudou após a invenção da imprensa, em 1455. Agora ninguém mais dependia dos copistas para multiplicar os exemplares da Bíblia. Por isso, o grande foco de mudanças no texto sagrado passou a ser outro: as traduções.Em 1522, o pastor Martinho Lutero usou a imprensa para divulgar em massa sua tradução da Bíblia, que tinha feito direto do hebraico e do grego para o alemão. Era a primeira vez que o texto sagrado era vertido numa língua moderna – e a nova versão trouxe várias mudanças, que provocavam a Igreja (veja quadro na pág. 65). Logo depois um britânico, William Tyndale, ousou traduzir a Bíblia para o inglês. No Novo Testamento, ele traduziu a palavra ecclesia por “congregação”, em vez de “igreja”, o termo preferido pelas traduções católicas. A mudança nessa palavrinha era um desafio ao poder dos papas: como era protestante, Tyndale tinha suas diferenças com a Igreja. Resultado? Ele foi queimado como herege em 1536. Mas até hoje seu trabalho é referência para as versões inglesas do livro sagrado.
A Bíblia chegou ao nosso idioma em 1753 – quando foi publicada sua primeira tradução completa para o português, feita pelo protestante João Ferreira de Almeida. Hoje, a tradução considerada oficial é a feita pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e lançada em 2001. Ela é considerada mais simples e coloquial que as traduções anteriores. De lá para cá, a Bíblia ganhou o mundo e as línguas. Já foi vertida para mais de 300 idiomas e continua um dos livros mais influentes do mundo: todos os anos, são publicadas 11 milhões de cópias do texto integral, e 14 milhões só do Novo Testamento.
Depois de tantos séculos de versões e contra-versões, ainda não há consenso sobre a forma certa de traduzi-la. Alguns buscam traduções mais próximas do sentido e da época original – como as passagens traduzidas do hebraico pelo lingüista David Rosenberg na obra O Livro de J, de 1990. Outros acham que a Bíblia deve ser modernizada para atrair leitores. O lingüista Eugene Nida, que verteu a Bíblia na década de 1960, chegou ao extremo de traduzir a palavra “sestércios”, a antiga moeda romana, por “dólares”. Em 2008, duas versões igualmente ousadas estão agitando as Escrituras: a Green Bible (“Bíblia Verde”, ainda sem versão em português), que destaca 1 000 passagens relacionadas à ecologia – como o momento em que Jó fala sobre os animais –, e a Bible Illuminated (‘Bíblia Iluminada”, em inglês), com design ultramoderno e fotos de celebridades como Nelson Mandela e Angelina Jolie.
A Bíblia se transforma, mas uma coisa não muda: cada pessoa, ou grupo de pessoas, a interpreta de uma maneira diferente – às vezes, com propósitos equivocados. Em pleno século 21, pastores fundamentalistas tentam proibir o ensino da Teoria da Evolução nas escolas dos EUA, sendo que a própria Igreja aceita as teorias de Darwin desde a década de 1950. Líderes como o pastor Jerry Falwell defendem o retorno da escravidão e o apedrejamento de adúlteros, e no Oriente Médio rabinos extremistas usam trechos da Torá para justificar a ocupação de terras árabes. Por quê? Porque está na Bíblia, dizem os radicais. Não é nada disso. Hoje, os principais estudiosos afirmam que a Bíblia não deve ser lida como um manual de regras literais – e sim como o relato da jornada, tortuosa e cheia de percalços, do ser humano em busca de Deus. Porque esse é, afinal, o verdadeiro sentido dessa árvore de histórias regada há 3 mil anos por centenas de mãos, cabeças e corações humanos: a crença num sentido transcendente da existência.

Top 5 pragas

I. Quando os hebreus eram escravos no Egito, o Senhor enviou 10 pragas contra os opressores do povo escolhido. A primeira delas foi transformar toda a água do país em sangue (Êxodo 7:21).
II. Como o faraó não libertava os hebreus, o Senhor radicalizou: matou, numa só noite, todos os primogênitos do Egito. “E houve grande clamor no país, pois não havia casa onde não houvesse um morto” (Êxodo 12:30).
III. Desgostoso com os pecados de Sodoma e Gomorra, Deus destruiu as duas cidades com uma chuvarada de fogo e enxofre (Gênesis 19:24).
IV. Para punir as deso­bediências do rei Davi, o Senhor enviou uma doença não identificada, que matou 70 mil homens e 200 mil mulheres e crianças (2 Samuel, 24: 1-13).
V. Quando a nação dos filisteus roubou a arca da Aliança, onde estavam guardados os 10 Mandamentos, o Senhor os castigou com um surto de hemorróidas letais. “Os intestinos lhes saíam para fora e apodreciam” (1 Samuel 5:9) .

Os possíveis autores

1200 a.C. - Moisés
Segundo uma lenda judaica, a Torá (obra precursora da Bíblia) teria sido escrita por ele. Mas há controvérsias, pois existe um trecho da Torá que diz: “Moisés morreu e foi sepultado pelo Senhor próximo a Fegor”. Ora, se Moisés é o autor do texto, como ele poderia ter relatado a própria morte?
1000 a.C. - Javista
Viveu na corte do rei Davi, no antigo reino de Israel, e era um aristocrata. Ou, quem sabe, uma aristocrata: para o crítico Harold Bloom, Javista era mulher. Isso porque os personagens femininos da Bíblia (Eva e Sara, por exemplo) são muito mais elaborados que os masculinos.
Século 4 a.C. - Esdras
Líder religioso que reformou o judaísmo e possível editor do Pentateuco (5 primeiros livros da Bíblia). Vários trechos bíblicos editados por ele pregam a violência: “Derrubareis todos os altares dos povos que ides expropriar, queimareis as casas, e mudareis os nomes desses lugares”.
Século 1 - Paulo
Nunca viu Cristo pessoalmente, mas foi o primeiro a escrever sobre ele. Nascido na Turquia, Paulo viajou e fundou igrejas pelo Oriente Médio. Ele escrevia cartas para essas igrejas, contando a incrível aventura de um tal Jesus – que foi crucificado e ressuscitou.
Século 1 - Maria Madalena
Estava entre os discípulos favoritos de Jesus – e, diferentemente do que o Vaticano sustentou durante séculos, nunca foi prostituta. Pelo contrário: tinha influência no cristianismo e é a suposta autora do Apócrifo de Maria, um livro em que fala sobre sua relação pessoal com Jesus e divulga os ensinamentos dele.
Século 1 - João
Escreveu o 4o evangelho do Novo Testamento (João) e o Livro do Apocalipse, o último da Bíblia. Para ele, Jesus não é apenas um messias – é um ser sobrenatural, a própria encarnação de Deus. Essa interpretação mística marca a ruptura definitiva entre judaísmo e fé cristã.
Século 5 - Jerônimo
Nascido no território da atual Hungria, este padre foi enviado a Jerusalém com uma missão importantíssima: traduzir a Bíblia do grego para o latim. Cometeu alguns erros, como dizer que o profeta Moisés tinha chifres (uma confusão com a palavra hebraica karan, que na verdade significa “raio de luz”).
Século 16 - William Tyndale
Possuir trechos da Bíblia em qualquer idioma que não fosse o latim era crime. O professor Tyndale não quis nem saber, traduziu tudo para o inglês, e acabou na fogueira. Mas seu trabalho foi incrivelmente influente: é a base da chamada “Bíblia do Rei James”, até hoje a tradução mais lida nos países de língua inglesa.

Top 5 matanças

I. Um grupo de meninos malcriados zombou da calvície do profeta Eliseu. Pra quê! Na hora, dois ursos famintos saíram de um bosque e comeram as crianças (2 Reis 2:24).
II. Cercado por um exército de filisteus, o herói Sansão apanhou a mandíbula de um jumento morto. Usando o osso como arma, ele massacrou mil inimigos (Juízes, 15:16).
III. O profeta Elias convidou os sacerdotes do deus Baal para uma competição de orações. Era uma armadilha: Elias incitou o povo, que linchou os pagãos (1 Reis 18:40).
VI. Os judeus haviam perdido a fé e começaram a adorar um bezerro de ouro. Moisés ficou furioso e mandou sacerdotes levitas matar 3 mil infiéis (Êxodo 32:19).
V. A nação dos amalequitas disputava o território de Canaã com os judeus. O Senhor ordena que todos os amalequitas sejam chacinados (1 Samuel 15:18).

Top 5 satanagens

I. Após a destruição de Sodoma, os únicos sobreviventes eram Ló e suas duas filhas. As filhas de Lot embebedaram o pai e tiveram com ele a noite mais incestuosa da Bíblia (Gênesis 19:31).
II. O Cântico dos Cânticos, atribuído ao rei Salomão, é altamente erótico. Um dos trechos: “Teu corpo é como a palmeira, e teus seios, como cachos de uvas” (Cânticos 7:7).
III. Os anjos do Senhor tiveram chamegos ilícitos com mulheres mortais. “Vendo os Filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas, tomaram-nas como mulheres, tantas quanto desejaram” (Gênesis 6:2).
IV. A Bíblia diz que os antigos egípcios eram muito bem-dotados. Após a fuga para Canaã, a judia Ooliba tem saudades dos tempos em que se prostituía no Egito. Tudo porque “seus amantes (...) ejaculavam como cavalos” (Ezequiel 23:20).
V. O hebreu Onã casou com a viúva de seu irmão, mas não conseguia fazer sexo com ela – preferia o prazer solitário. Do nome dele vem o termo “onanismo”, que significa masturbação (Gênesis 38:9).

As história da história

Como o livro sagrado evoluiu ao longo dos tempos
Tanach - Século 5 a.C.
É a Bíblia judaica, e tem 3 livros: Torá (palavra hebraica que significa “lei”), Nebiim (“profetas”) e Ketuvim (“escritos”). É parecida com a Bíblia atual, pois os católicos copiaram seus escritos. Contém as sementes do monoteísmo e da ética religiosa, mas também pregações de violência. A primeira das bíblias tem trechos ambíguos e misteriosos – algumas passagens dão a entender que Javé não é o único deus do Universo.
Septuaginta - Século 3 a.C.
O Oriente Médio era dominado pelos gregos e pelos macedônios. Muitos judeus viviam em cidades de cultura grega, como Alexandria, e desejavam adaptar sua religião aos novos tempos. Diz a lenda que Ptolomeu, rei do Egito, reuniu um grupo de 72 sábios judeus para traduzir a Tanach – e fizeram tudo em 72 dias. Por isso, o resultado é conhecido como Septuaginta. Inclui textos que não constam da Tanach.
Novo Testamento - Século 1
A língua do Antigo Testamento é o hebraico, mas o Novo Testamento foi escrito num dialeto grego chamado coiné. Contém os relatos sobre vida, milagres, morte e ressurreição de Jesus – os evangelhos. Em alguns trechos, vai deixando evidente a divergência entre cristianismo e judaísmo. É o caso, por exemplo, do Evangelho de João, em que Jesus é descrito como uma encarnação de Deus (coisa na qual os judeus não acreditavam).
Católica - Século 4
Seus autores decidiram incluir 7 livros que os judeus não reconheciam. São os chamados Deuterocanônicos: Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Baruque, Macabeus 1 e 2 (mais trechos dos livros Daniel e Ester). A Bíblia católica bate na tecla do monoteísmo: a palavra hebraica Elohim, usada na Tanach para designar a divindade, é o plural de El, um deus cananeu. Mas foi traduzida no singular e virou “Senhor”.
Ortodoxa - Por volta do século 4
É baseada na Septuaginta, mas também inclui livros considerados apócrifos por católicos e protestantes: Esdras 1, Macabeus 3 e 4 e o Salmo 151. A tradução é mais exata (nesta Bíblia, Moisés nunca teve chifres, um erro de tradução introduzido pela Bíblia latina), e os escritos não são levados ao pé da letra: para os ortodoxos, o que conta são as interpretações do texto bíblico, feitas por teólogos ao longo dos séculos.
Protestante - Século 16
Ao traduzir a Bíblia para o alemão, Martinho Lutero excluiu os livros Deuterocanônicos e mudou algumas coisas. Um exemplo é a palavra grega metanoia, que na Bíblia católica significa “fazer penitência” – uma referência à confissão dos pecados, um dos sacramentos católicos. Já Lutero traduziu metanoia como “reviravolta”. Para ele, confessar os pecados era inútil. O importante era transformar a vida pela fé.

Top 5 milagres

I. O maior de todos os milagres divinos foi o primeiro: a Criação do mundo, pelo poder da palavra. “E Deus disse: que haja luz. E houve luz” (Gênesis 1:3).
II. Para dar-lhe uma amostra de seus poderes, o Senhor leva Ezequiel a um campo cheio de esqueletos – e os traz de volta à vida. “O vento do Senhor soprou neles, e viveram” (Ezequiel, 37; 1-28).
III. Graças à benção divina, o herói Sansão tinha a força de muitos homens. Certa vez, foi atacado por um leão. “O espírito do Senhor deu-lhe poder, e Sansão destroçou a fera com as próprias mãos, como se matasse um cabrito” (Juízes 14:6).
IV. Josué liderava uma batalha contra os amalequitas, mas o Sol estava se pondo. Como não queria lutar no escuro, o hebreu pediu ajuda divina – e o Sol ficou no céu (Josué 10:13).
V. Para fugir do Egito, os hebreus precisavam atravessar o mar Vermelho. E não tinham navios. Moisés ergueu seu bastão e as águas do mar se dividiram. Após a passagem dos hebreus, o profeta deixou que as ondas se fechassem sobre os exércitos do faraó (Êxodo 14; 21-30).

Para saber mais

A Bíblia: Uma Biografia
Karen Armstrong, Jorge Zahar Editora, 2007.
Who Wrote the Bible?
Richard Elliott Friedman, HarperOne, 1997.

Astronomia: Saiba tudo sobre a aproximação do cometa Elenin

Nos últimos dias recebemos diversos emails a respeito da aproximação do cometa Elenin C/2010 X1, nos questionando sobre quando o objeto poderá ser visto ou se representa alguma ameaça de colisão com a Terra. Para sanar essas e outras dúvidas preparamos este artigo, que ajudará você na observação do cometa.
Cometa Elenin

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Batizado oficialmente de C/2010 X1, o cometa Elenin foi descoberto em 10 de dezembro de 2010 pelo astrônomo russo Leonid Elenin, através de um dos telescópios robóticos do International Scientific Optical Network, instalado no Novo México, EUA. A órbita do cometa Elenin é de 11.700 anos e de acordo com os dados keplerianos mais recentes o cometa atingirá o ponto de maior aproximação com nosso planeta em 16 de outubro de 2011, quando passará a mais de 34 milhões de km da Terra.


Destaques da passagem do cometa Elenin
Quando ver A partir de 20 de julho, depois do pôr-do-Sol. Neste dia o cometa atingirá magnitude 9.9 e poderá ser visto por lunetas de pequeno porte. Após setembro será possível vê-lo desde a madrugada até o nascer do Sol com magnitude teórica de 4.6.
Até quando? Até Novembro. Depois disso o cometa nascerá com o Sol já alto na maior parte do país, ofuscando a observação.
Núcleo 3.5 km de diâmetro
Coma 80 mil km de diâmetro
Velocidade 86000 km/h. Relativa ao dia da máxima aproximação
10 de setembro Periélio (menor distância do Sol): 71 milhões de quilômetros
12 a 15 de setembroCometa visível nas imagens Lasco do satélite Soho
26 de setembro Mínimo ângulo com o Sol: 1.9 grau de separação
8 de outubro Conjunção com Cometa 45P/Honda-Mrkos-Pajdušáková
15 de Outubro Conjunção com Marte
16 de outubro Perigeu: máxima aproximação coma Terra a 34.9 milhões km
22 de Novembro Oposição a 175 graus do Sol
Para onde olhar Clique aqui e faça simulações para diversas datas e horários

Devido à enorme distância, não existe qualquer possibilidade de risco de colisão. Além disso, por ser um objeto de pequena massa, Elenin não provocará qualquer efeito gravitacional nos objetos do Sistema Solar.

Orbita do Cometa Elenin

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Quando foi descoberto, Elenin era um objeto muito tênue e apresentava magnitude aparente de 19.5, cerca de 150 mil vezes menos brilhante que o limiar da visão humana. Entretanto, à medida que se aproxima seu brilho aumenta.
Inicialmente, os pesquisadores estimavam que seu brilho máximo chegaria a 4.5 magnitudes, o que permitiria que fosse visto facilmente durante as madrugadas. No entanto, estimativas recentes mostram que o cometa não será tão brilhante como calculado e somente poderá ser visto com auxílio de lunetas e telescópios, mesmo de pequeno porte.
É importante lembrar que os cometas são muito imprevisíveis e podem apresentar comportamentos bastante bizarros à medida que se aproximam do Sol. Entre os fenômenos já observados está o outburst, quando repentinamente se rompem e produzem inúmeros fragmentos brilhantes. Além disso, devido à pressão do vento solar a cauda cometária também pode variar muito de tamanho.
Observando

Para observar o cometa Elenin, tudo que você precisará será de um pequeno binóculo ou telescópio, além de um campo de visão desobstruído na direção do quadrante oeste, ou seja, do lado que o Sol se põe. Como explicado, a partir de julho o cometa já poderá ser visto ainda que com pouco brilho, que aumentará lentamente até setembro.
Ilustrações: No topo, imagem do cometa C/2010 X1 Elenin registrada em 8 de abril de 2011 pelo astrônomo amador Gustavo Muller, a partir do Observatório de Nazaret, nas Ilhas Canárias. No momento da image Elenin se encontrava a 280 milhões de km de distância e apresentava brilho de magnitude 13.8. No detalhe da foto vemos o cálculo da extensão do cometa, de 27.4 arco-segundos. Na sequência, diagrama da órbita cometária mostrando as diversas posições de Elenin. Créditos: Gustavo Muller/Observatório de Nazaret/Leonid Elenin/Apolo11.com.

domingo, 15 de maio de 2011

Celulares podem estar matando abelhas. Entenda a relação

 

 

Campo eletromagnético gerado pelos celulares deixa abelhas desnorteadas, até finalmente caírem mortas no chão
13 de Maio de 2011 | 12:22h

     

Reprodução
Abelha
Pesquisadores do Instituto Federal Suíço de Tecnologia afirmam que conversas por celular podem resultar na morte de abelhas. Em relatório, o pesquisador-chefe Daniel Favre explicou que sua equipe fez 83 experimentos que gravaram as reações das abelhas com celulares em chamada, ligados (mas fora de uso) e desligados.

Quando os celulares estavam recebendo ou fazendo chamadas, o som emitido pelos insetos aumentou 10 vezes em relação aos celulares desligados. Em seguida, as abelhas ficaram desnorteadas, até finalmente caírem mortas no chão.

As abelhas emitem ruídos mais altos apenas como sinal para saírem da colméia. O campo eletromagnético do celular induz o ato, que pode gerar sérios problemas para uma colônia.


Outros fatores também podem contribuir com a morte dos insetos. Poluição do ar, uso de pesticidas e alterações climáticas são alguns dos exemplos citados pela ONU em 2008.


As abelhas são umas das principais responsáveis pela polinização natural de plantas. Em cada 100 plantas cultivadas pelo homem (90% são consumidas), 70 são polinizadas por abelhas. Sem a polinização pelos insetos, algumas plantas - que não podem se auto-polinizar -, deixariam de se reproduzir e, assim, deixariam de existir com o tempo.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

CONFORME A MATÉRIA ABAIXO, A TÃO TEMIDA TEMPESTADE SOLAR PODE NÃO PASSAR DE UM ESPETÁCULO...







 "Nós poderemos assistir a um descomunal espetáculo de fogos de artifício em 2012. O Sol se aproximará do seu pico no ciclo solar de 11 anos, conhecido como “máximo solar“, então devemos esperar uma grande atividade solar. Algumas previsões colocam o máximo do Ciclo Solar 24 como até mais energético que os últimos máximos solares de 2002 e 2003 (lembra-se das explosões de classe X quebrando recordes em 2003?). Os físicos solares estão entusiasmados com este novo ciclo e novos métodos de previsão têm sido colocados em uso. Deveríamos preocupar-nos?

Diferentemente dos muitos cenários do apocalipse que apresentamos aqui sobre o final do mundo baseado nas profecias Maias para o ano 2012, este cenário na realidade tem alguma base científica. Além disso, pode eventualmente até existir alguma correlação entre o ciclo solar de 11 anos e os ciclos temporais vistos no calendário Maia. Será que esta antiga civilização conseguiu compreender que os pólos magnéticos do Sol sofrem inversão de polaridade a cada década? Além disso, alguns textos religiosos dizem que o dia do ‘Fim do Mundo‘ implicará em uma grande quantidade de fogo e enxofre. Pelo que parece, a expectativa é que vamos mesmo morrer assados vivos por nossa própria estrela em 21 de dezembro de 2012!

Antes de passarmos direto para as conclusões sobre esse tema, daremos um passo atrás e vamos meditar sobre tudo isto. Assim como as demais formas nas quais o mundo terminará em 2012, a possibilidade de que o Sol expulse uma descomunal tempestade solar daninha até a Terra tem sido bastante atraente para os profetas do apocalipse. Todavia, olhando para o que realmente ocorre durante um evento de explosões solares dirigidas até nosso planeta, nós constatamos que na verdade a Terra tem estado muito bem protegida da fúria solar. Todavia, alguns satélites artificiais não estarão a salvo…

A Terra tem evoluído ao longo das eras rodeada por um ambiente altamente radioativo. O Sol lança constantemente partículas de alta energia, a partir da sua superfície dominada pelo magnetismo, através do vento solar. Durante o máximo solar (quando o Sol está em sua etapa mais ativa no ciclo solar de 11 anos), a Terra pode ter o infortúnio de estar na mira de uma explosão com a energia equivalente a 100 bilhões de vezes a bomba de Hiroshima na II Guerra Mundial. Esta explosão é conhecida como tempestade solar e seus efeitos podem causar alguns problemas aqui na Terra.
Antes de revermos aqui os efeitos colaterais na Terra, vamos analisar o comportamento do Sol e compreender as razões dele se enfurecer tanto cada 11 anos, nos períodos de “máximo solar“.




O Ciclo Solar
Primeiro e o mais importante: o Sol tem um ciclo natural de aproximadamente 11 anos. Durante o tempo de vida de cada ciclo, as linhas de campo magnético do Sol são arrastadas ao redor do corpo solar mediante uma rotação diferenciada no equador solar. Isto significa que o equador solar gira mais rapidamente que os pólos magnéticos. Conforme isto prossegue, o plasma solar arrasta as linhas de campo magnético ao redor do Sol, provocando tensão e acumulando energia (ilustrado na figura acima). Conforme aumenta a energia magnética, formam-se ondas no fluxo magnético, forçando-as mover-se até a superfície. Estas ondas são conhecidas como bolhas coronais as quais se fazem mais numerosas durante os períodos de pico solar.

Aqui entram em jogo as manchas solares. Conforme as bolhas coronais continuam surgindo na superfície, as manchas solares aparecem também, situadas na base das bolhas. As bolhas coronais têm o efeito de empurrar as camadas mais quentes da superfície do Sol (a fotosfera e a cromosfera) para os lados, expondo a zona de convecção mais fria (as razões de porque a superfície solar e a atmosfera estão mais quentes que o interior se deve o fenômeno de aquecimento da corona). Conforme a energia magnética se acumula, pode-se esperar que cada vez maior fluxo magnético seja forçado a unir-se. Aqui é onde tem lugar o fenômeno de re-conexão magnética.

A re-conexão é o gatilho do acionamento de explosões solares de diversos tamanhos. Tal e como já explicado em outro artigo da Universe Today (”Fluxos coronais quentes podem ser a chave para as explosões solares“), as explosões solares variam desde as “nano tempestades” até as “explosões da classe-X” que são os eventos solares mais energéticos. Calcula-se que as maiores explosões solares podem gerar a energia de 100 bilhões de explosões atômicas, mas não deixe que este número o preocupe. Para começar, estas explosões têm lugar na corona baixa, próxima da superfície solar, ou seja, há quase 150 milhões de quilômetros de distância (1 UA – Unidade Astronômica). A Terra não está nem ao menos perto dessas erupções.

Quando as linhas de campo magnético solar liberam uma enorme quantidade de energia, o plasma solar se acelera e fica confinado dentro do ambiente magnético (o plasma solar é formado de partículas superaquecidas iônicas como prótons, elétrons e alguns elementos leves como os núcleos de Hélio). Quando as partículas do plasma interagem, Raios-X podem ser gerados se as condições necessárias estão adequadas, tornando-se possível o evento denominado bremsstrahlung. (O bremsstrahlung tem lugar quando as partículas carregadas interagem, dando como resultado uma emissão de raios-X). Isto pode criar uma tempestade de raios-X (ou rajadas de Raios-X).



O problema com as rajadas de raios-X
O maior problema com uma rajada de raios-X é que temos bem pouco tempo de aviso prévio para detectar quando esse evento irá acontecer, uma vez que os raios-X viajam na velocidade da luz (na imagem acima temos uma rajada que quebrou recordes em 2003). Os raios-X de uma tempestade de classe-X alcançam a Terra em cerca de oito minutos. Quando os raios-X impactam nossa atmosfera, estes são absorvidos pela camada mais externa, conhecida como ionosfera. Como já se pode deduzir por esse nome, esta é uma camada altamente carregada e reativa, repleta de íons (núcleos atômicos e elétrons livres).

Durante eventos solares tão potentes, os índices de ionização entre os raios-X e os gases atmosféricos se incrementam nas camadas D e E da ionosfera. Isto provoca um aumento súbito na produção de elétrons nestas camadas. Estes elétrons podem causar interferências na passagem das ondas de rádio através da atmosfera, absorvendo os sinais de rádio de onda curta (os da faixa de freqüência alta), bloqueando possivelmente as comunicações globais. Estes eventos são conhecidos como “Perturbações Ionosféricas Súbitas” (SID – “Sudden Ionospheric Disturbances“) e são comuns durante os períodos de alta atividade solar. É interessante apontar que o incremento na densidade de elétrons durante uma SID reforça a propagação das ondas de rádio de Muito Baixa Freqüência (VLF), um fenômeno que os cientistas usam para medir a intensidade dos raios-X que procedem do Sol.



Ejeções da massa coronal?
As emissões de explosões solares de raios-X são só uma parte da história. Se as condições são adequadas, pode ser produzida uma ejeção de massa coronal (CME – “coronal mass ejection“) na área da tempestade (embora esses fenômenos possam ocorrer de forma independente). As CMEs são mais lentas que os raios-X em sua propagação, mas seus efeitos globais aqui na Terra podem ser mais problemáticos. As CMEs não viajam a velocidade da luz, mas ainda assim viajam bem rápido. As CMEs podem chegar a uma velocidade de 3,2 milhões de km/h, o que significa que podem alcançar-nos em até 48 horas (1 UA ≈ 149,6 milhões de km).

Aqui é onde se põe grande parte do esforço na previsão do clima espacial. Temos um punhado de naves situadas entre a Terra e o Sol no Ponto de Lagrange Terra-Sol (L1) com sensores a bordo para medir a energia e intensidade do vento solar. Quando uma CME passa através de sua posição, podem-se medir diretamente as partículas energéticas e os campos magnéticos interplanetários (CMI). Uma missão conhecida como Explorador de Composição Avançado (ACE – Advanced Composition Explorer) orbita no ponto de Lagrange L1 e proporciona aos cientistas com 1 hora de antecedência informes sobre a situação da aproximação de uma CME. ACE forma parceria com o Observatório Heliosférico e Solar (SOHO – SOlar and Heliospheric Observatory) e com o Observatório de Relações Solares e Terrestres (STEREO – Solar TErrestrial RElations Observatory). Assim as CMEs podem ser rastreadas desde a corona inferior até o espaço interplanetário, através do ponto L1 até a Terra. Estas missões solares estão trabalhando ativamente juntas para proporcionar as agências espaciais previsões antecipadas sobre uma CME dirigida contra a Terra.

Então, o que acontece se uma CME alcança a Terra? Para começar, grande parte do impacto depende da configuração magnética do CMI (desde o Sol) e do campo geomagnético da Terra (a magnetosfera). Em geral, se ambos estão alinhados com suas polaridades apontando na mesma direção, é altamente provável que a CME seja repelida pela magnetosfera. Neste caso, a CME se deslizará sobre a Terra, provocando algumas mudanças de pressão e distorção na magnetosfera, mas de qualquer forma a CME será defletida sem problemas. Entretando, se as linhas dos campos magnéticos do CMI e da magnetosfera estão em uma configuração antiparalela (quero dizer: as polaridades magnéticas estão em direções opostas), pode então ocorrer uma re-conexão magnética nas bordas da magnetosfera. Neste evento, o CMI e a magnetosfera se fundem, conectando o campo magnético terrestre com o do Sol. Isto nos proporciona um dos eventos mais inspiradores da natureza: as auroras polares.


Satélites em Perigo
Quando o campo magnético de uma CME conecta com o da Terra, são injetadas partículas de alta energia na magnetosfera. Devido à pressão do vento solar, as linhas de campo magnético do Sol se centrarão na Terra, curvando-se atrás do nosso planeta. As partículas injetadas no “lado diurno” serão canalizadas para as regiões polares da Terra interagindo com nossa atmosfera e gerando a luz através das auroras. Durante esta época, o Cinturão de Van Allen ficará “super carregado eletricamente”, criando uma região ao redor da Terra que pode causar problemas aos astronautas desprotegidos e nos satélites sem escudos. Para mais detalhes, leia: “Radiation Sickness, Cellular Damage and Increased Cancer Risk for Long-term Missions to Mars“, “New Transistor Could Side-Step Space Radiation Problem.” e Viagem até Marte? Cuidado com os raios cósmicos!

Como se não fosse o bastante essa radiação do Cinturão de Van Allen, os satélites poderiam sucumbir-se à ameaça de uma atmosfera em expansão. Como seria de esperar, se o Sol golpear a Terra com raios-X e CMEs, haverá um aquecimento inevitável e uma expansão global da atmosfera, possivelmente invadindo as altitudes orbitais dos satélites. Se os controladores das agências espaciais não ficarem atentos, o efeito de aero frenagem sobre os satélites poderá provocar a sua desaceleração e conseqüente queda. Lembro que o processo de aero frenagem tem sido usado de forma extensiva como uma ferramenta de vôo espacial para frear as naves quando são postas em órbita ao redor de outro planeta. Assim isto terá um efeito adverso sobre os satélites que orbitam a Terra uma vez que qualquer diminuição da velocidade orbital poderá provocar sua reentrada indesejável na atmosfera.



Também sentimos os efeitos no solo
Embora os satélites estejam na linha de frente, se ocorrer um poderoso aumento na quantidade de partículas energéticas que entram na atmosfera, poderemos sentir os efeitos adversos aqui sobre a Terra também. Devido à geração de raios-X a partir dos elétrons da ionosfera, algumas formas de comunicação podem entrecortar-se (ou serem eliminadas por completo), mas isto não é tudo que pode acontecer. Nas regiões em latitudes particularmente altas, uma vasta corrente elétrica, conhecida como “electrojet“, pode formar-se na ionosfera graças a estas partículas entrantes, uma vez que uma corrente elétrica advém de um campo magnético. Dependendo da intensidade da tormenta solar, as correntes elétricas podem ser induzidas aqui no solo, sobrecarregando eventualmente as redes elétricas globais. Em 13 de março de 1989, seis milhões de pessoas sofreram um apagão na região de Quebec no Canadá depois de um enorme aumento na atividade solar causado por correntes induzidas no terreno. Quebec ficou paralisada durante nove horas enquanto seus engenheiros trabalhavam na solução do problema.




Pode nosso Sol produzir uma tempestade assassina?

A resposta curta a esta pergunta é “não”.

A resposta longa para essa questão é um pouco mais elaborada. Embora uma tempestade solar dirigida diretamente contra nós, possa provocar problemas secundários tais como danos nos satélites, lesões em astronautas sem proteção e apagões, a tempestade em si não é bastante potente para destruir a Terra, e certamente, não em 2012. Acrescento que, em futuro distante, quando o Sol comece a esgotar seu hidrogênio do núcleo e se converta em uma gigante vermelha, iremos ter um verdadeiro inferno no planeta Terra, mas isso só ocorrerá dentro de 5 ou mais bilhões de anos. Existe contudo até a probabilidade remota de que várias explosões de classe-X sucessivas sejam lançadas pelo Sol e por pura má sorte uma série de CMEs nos impactem conjuntamente com explosões de raios-X, mas tal nunca será bastante potente como para superar nossa magnetosfera, ionosfera e a grossa atmosfera abaixo que nos protege há bilhões de anos.

Diferentemente do nosso Sol, que é bem pacato, as explosões solares “assassinas” têm sido observadas em outras estrelas. Em 2006, o observatório Swift da NASA viu a maior tempestade solar jamais observada há 135 anos luz de distância. Com uma liberação de energia estimada em 50 quadrilhões (milhões de trilhões) de bombas atômicas, uma tempestade como a de II Pegasi haveria aniquilado a maior parte da vida na Terra se nosso Sol tivesse disparado tal tormento. Obviamente, nosso Sol não é uma II Pegasi. II Pegasi é uma violenta gigante vermelha com uma companheira binária em uma órbita muito próxima. Acredita-se que a interação gravitacional com sua companheira binária além do fato de que II Pegasi é uma gigante vermelha são as causas desta tempestade energética descomunal.

Os profetas do apocalipse gostam de apontar o Sol como uma possível fonte assassina para a Terra, mas o fato é que nosso Sol é uma estrela muito estável. Não possui uma binária companheira (como II Pegasi), tem um ciclo conhecido (de aproximadamente 11 anos) e não há provas de que nosso Sol tenha contribuído em nenhuma das extinções massivas no passado com uma enorme tempestade dirigida contra a Terra. Já foram observadas grandes explosões solares (tal como a tempestade de luz branca de Carrington em 1859)… mas a humanidade ainda continua tranqüila por aqui.

Para esfriar mais ainda o assunto, os físicos solares (em 2008 e 2009) estão surpreendidos pela carência inesperada da atividade solar no início do ciclo solar #24, o que tem levado alguns cientistas a especular que poderíamos estar próximos de um novo mínimo de Maunder e uma “Pequena Idade do Gelo“. Isto está em total oposição com a previsão anterior dos físicos solares da NASA feita em 2006 que estimaram que este ciclo fosse tornar-se extraordinário.

Isto me leva a concluir que ainda temos um longo caminho a percorrer na previsão das explosões solares. Embora a previsão do clima espacial esteja melhorando, só dentro de alguns anos estaremos capacitados a monitorar o Sol com uma precisão suficiente para dizer com alguma certeza quão ativo será o ciclo solar. Por ora, no que tange a profecia, previsão ou mito, não existe uma forma física de dizer se a Terra será golpeada por alguma tempestade, muito menos um enorme evento em 2012. Mesmo que uma grande tempestade venha a nos assolar, tendo em vista o máximo solar que está previsto para 2012, tal jamais será um evento que cause extinção massiva. Sim, os satélites poderão ser danificados, provocando problemas secundários como perda do serviço global de GPS (o que poderia interromper o controle de tráfico aéreo, por exemplo) ou as redes energéticas nacionais poderão sofrer sobrecargas causadas por “electrojets” de auroras, mas nada mais extremo que isso.
Mas espera aí! Para complicar esse problema, os profetas do apocalipse também têm afirmado que incrivelmente uma grande tempestade solar nos impactará justamente quando o campo magnético da Terra se enfraquece e se inverte, deixando-nos sem proteção ante os estragos de uma CME… As razões pelas quais isto também não vai ocorrer em 2012 já mereceram seu próprio artigo: “2012: Não haverá inversão dos pólos magnéticos da Terra“."

Referências e Fontes:
AstroPT: 2012 – Fim do Mundo
• A NASA vê o lado oculto do Sol
• O Sol volta a ter pequena atividade e manchas solares voltam a aparecer
• O Sol está muito calmo ultimamente. O que está acontecendo com o Sol?
• Qual é a situação atual do Sol?
• 2012: Don Yeomans, cientista da NASA e coordenador do programa NEO, explica o que não vai acontecer em 2012
• Seth Shostak do instituto SETI fala sobre o tema 2012 e comenta o filme
• 2012: Dr. Neil deGrasse Tyson fala sobre o tema e explica sobre o alinhamento galáctico
• 2012: Não haverá tempestade solar assassina
• 2012: Não haverá inversão dos pólos magnéticos da Terra
• 2012: Não Haverá o ‘Fim do Mundo’
• 2012: Não haverá Planeta X
• 2012: o Planeta X não é Nibiru
• 2012: Não haverá nenhum cometa assassino, Nibiru ou Planeta-X
• A procura pelo planeta X vai ganhar um reforço extra do observatório Pan-STARRS