Seus genes estão nas suas mãos?
A resposta, segundo uma nova área da
ciência chamada epigenética, é um impactante sim. Ela revela que os
hábitos podem influenciar a atividade dos genes que predispõem a doenças
- o que faz toda a diferença para viver mais e melhor
por DIOGO SPONCHIATO
Há
mais coisas entre o seu código genético e o seu destino do que sonhavam
os cientistas. Antes, eles achavam que um determinaria o outro em
matéria de saúde. Mas um ramo recente da biologia, a epigenética,
comprova em detalhes por que o vigor ou os problemas que o futuro lhe
reserva não devem ser encarados apenas como mérito ou culpa do que está
escrito em seu DNA. Seus pesquisadores desvendam como a alimentação, o
estresse, a prática de exercícios ou o tabagismo são capazes de
influenciar o comportamento dos genes para o bem e para o mal.
Para ilustrar essas descobertas, basta recorrer a um estudo recém-concluído na Universidade da Califórnia,
nos Estados Unidos. Os médicos recrutaram 30 pacientes com câncer de
próstata em estágio inicial e os submeteram por três meses a um programa
que incluía dieta rica em vegetais e pobre em gorduras, exercícios
moderados, técnicas de controle do estresse e participação em grupos de
apoio. Logo em seguida veio a constatação por meio de moderníssimos
exames de DNA: essas medidas diminuíram a atividade de genes ligados ao
surgimento de tumores e aumentaram a ação daqueles envolvidos na
capacidade do organismo de enfrentá-los. O que ajudou (e muito) a brecar
a evolução do problema.
O que a epigenética faz, em resumo, é
enxergar ao pé da letra o resultado dos nossos hábitos no interior de
cada célula. Ali dentro esteja ela no cérebro ou no pé existe a receita
completa de um indivíduo. Essa fórmula única é o seu material genético, o
DNA. O que pode variar é a leitura dessa receita algumas células lêem
os trechos que determinam como devem funcionar os neurônios e atuam como
tal; outras decifram a parte necessária para executar as funções de uma
célula de pele. E assim por diante.
Na receita também existem
genes ligados a doenças e genes relacionados à capacidade de resistir
aos males. Se são ou se não são lidos direito é o que determina quando
as células de um órgão funcionarão bem ou serão um estorvo, dando origem
a um câncer. Agora os cientistas notam que existem fenômenos
bioquímicos batizados de epigenéticos e intimamente associados aos
hábitos. Eles não chegam a alterar a seqüência do DNA, esclarece a
biomédica Miriam Jasiulionis, da Universidade Federal de São Paulo.
No entanto, o jeito como você vive pode, sim, destacar determinadas
linhas, aumentando as chances de que se expressem. Ou fazer o contrário.Os pesquisadores vasculham como a má
alimentação ou o tabagismo metem o bedelho nos pedacinhos do DNA,
reforçando a ameaça de doenças para as quais já temos tendência. A boa
notícia é que, em tese, dá para reparar os prejuízos de uma vida
desregrada. Os mecanismos epigenéticos são reversíveis, conta a
farmacêutica Cláudia Rainho, da Universidade Estadual Paulista, em Botucatu,
no interior de São Paulo. Ou seja, se você adotar um estilo de vida
mais saudável, será bem possível que alguns trechos nada agradáveis do
seu DNA caiam no esquecimento.
Afinal, como uma mudança de
hábito é capaz de se intrometer na atividade de um gene? A resposta é
pura química. Diversas moléculas, resultantes do próprio trabalho do
corpo e do que a gente come, por exemplo, são capazes de grudar em uma
porção do código genético. Entre essas figuras, destaca-se de longe o
metil. Ele seria comparável a uma espécie de chave que consegue ligar ou
desligar um gene, num fenômeno conhecido como metilação do DNA. Cerca
de 60% dos nossos genes são passíveis de mecanismos assim, isto é, podem
ser acionados ou inativados pelo metil, calcula Giseli Klassen,
professora de patologia da Universidade Federal do Paraná.
Para
aplacar sua ansiedade: algumas peças-chave da célebre vida saudável,
como o reles costume de comer brócolis ou cereais, incrementa a produção
do bendito metil. A dúvida cruel é por que, se você come a porção de
brócolis, por exemplo, as reações podem afetar positivamente um naco do
DNA do seu fígado e, ao mesmo tempo, não se envolver com o mesmíssimo
pedaço de DNA lá na cabeça.
Assim como esses mecanismos podem se
diferenciar de órgão para órgão, como se tivessem poder de decisão
próprio, eles variam de pessoa para pessoa. Até que ponto, então, o
aparecimento de uma doença é resultado da receita que a gente carrega de
berço ou de fenômenos bioquímicos disparados pelos hábitos? Não sabemos
ainda, responde Rafael Linden, professor do Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Mas é certo que ambos entram no jogo. E que as refeições podem ser
grandes ou péssimas fornecedoras de chaves para mexer com genes
destrambelhados.
Algumas substâncias encontradas nos
alimentos transferem os compostos metil para o DNA, controlando a
expressão de um gene, afirma a bióloga Lusânia Antunes, da Universidade
de São Paulo, em Ribeirão Preto. Ao se incorporar num gene que favoreça o
surgimento de um tumor, é como se esse metil o rendesse e o mantivesse
caladinho. Mas há perguntas no ar: será que, da mesma forma que ele
silencia um gene do mal, poderia calar um gene benéfico, responsável por
uma função interessante à célula? Em suma, será que o metil sempre
escolhe o alvo certo? Apesar de questionamentos assim, já se presume que
alguns nutrientes contribuam de maneira favorável.
Pesquisadores
suspeitam de que a prática de exercícios físicos também ajude a deixar
os genes em forma, por assim dizer. É como se eles sentissem o resultado
de aulas de musculação, corridas ou passeios de bicicleta freqüentes.
Na contramão, surgem provas de que os hábitos nocivos enlouquecem a
maquinaria do DNA. O cigarro e o excesso de álcool estão associados a
alterações epigenéticas indesejáveis, conta Miriam Jasiulionis. Além
disso, já se sabe que a fumaceira não só mexe com o comportamento dos
genes mas também provoca mutações neles no caso, defeitos que ficam para
sempre. Não é por acaso que os tabagistas têm mais câncer.
A
doença mais investigada pela epigenética, claro, é o câncer. As células
normais e as tumorais apresentam um padrão de genes ativados e
desativados diferente entre si, explica a bióloga Anamaria Camargo, do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer.
Os genes que controlam a proliferação celular geralmente ficam
desativados nos exemplares doentes, conta a oncologista Mariângela
Corrêa, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz,
em São Paulo. E, enquanto estão impedidos de trabalhar, outros que
fazem exatamente o oposto, ou seja, incentivam a desordem e deveriam
ficar inertes os oncogenes estão ativados.
Nas células
saudáveis, vê-se o contrário: os genes supressores, que regulam a
multiplicação, estão ativos, e os oncogenes, desligados. Para que todas
as células continuem assim, firmes e fortes, a melhor estratégia é
investir no estilo de vida é o que têm provado os primeiros estudos com
seres humanos.E não pense que as medidas saudáveis,
incluindo desde um cardápio balanceado até uma rotina com menos
estresse, limitam-se ao seu exclusivo bem-estar. Surgem indícios cada
vez mais contundentes de que a maneira como você leva a vida seria
transmitida para os genes dos seus filhos. Uma questão muito debatida é
quanto se transmite dessa herança, conta Lygia Pereira, professora de
genética humana da Universidade de São Paulo.
Mas como isso aconteceria? Bem, nesse aspecto, mistérios ainda pairam.
Até porque na fecundação, quando há a união do espermatozóide e do
óvulo, uma cópia do DNA da mãe se acopla à do pai e, em meio a esse
casamento, quase todo o material genético perde aquelas chaves, as
metilações, que ligavam e desligavam os genes.
Formam-se novas
metilações durante o desenvolvimento do embrião, diz Cláudia Rainho. No
entanto, uma pequena parcela dos genes herdados não sofre essa queima de
arquivo e, assim, carrega totalmente a sua herança. Deduz-se, assim,
que quem viveu longe de cigarros e outras drogas, apostou na malhação e
não se esqueceu de frutas e verduras no prato, entre outros ingredientes
saudáveis, irá presentear seus filhos com uma bagagem genética de
primeira, menos predisposta a doenças.
Já quem não se cuidou
pode transmitir não só as alterações epigenéticas indesejáveis como
também mutações aqueles defeitos permanentes ao embrião. E estas são
indiscutivelmente mais herdadas, diz a biomédica brasileira Mariana
Brait, da Universidade Johns Hopkins,
nos Estados Unidos. Ou seja, o modo como você vive hoje faz toda a
diferença para o futuro do seu corpo e provavelmente para o de seus
descendentes também.
Revista Saúde Vital
Revista Saúde Vital
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