Carboidrato à noite? Está liberado!
Sabe aquele papo de que comer massas,
pães, arroz e outros itens ricos em carboidrato após anoitecer seria
quase um sacrilégio? Pois um estudo israelense não só enterra esse mito
como sugere o contrário: o consumo do nutriente nesse horário aplaca a
fome durante o dia, facilitando a perda de peso
por Thaís Manarini | design Laura Salaberry | fotos Alex Silva
Revista Saúde vital
Todos
os anos, no nono mês do calendário islâmico, os muçulmanos dão início
ao Ramadã. O período sagrado, com duração de 30 dias, celebra a
revelação do Corão a Maomé e é marcado por determinadas restrições. Uma
delas é jejuar desde o amanhecer até o sol se pôr. Só depois, com o cair
da noite, é que as refeições estão, finalmente, liberadas. Esse baita
chacoalhão nos hábitos alimentares acabou por despertar o interesse da
ciência. Estudos mostraram, por exemplo, uma alteração nos padrões de
liberação da leptina, hormônio que sinaliza para o cérebro que é hora de
soltar o garfo.
Inspirados por esse dado, pesquisadores da
Universidade Hebraica de Jerusalém, em Israel, decidiram investigar o
que acontece com a saciedade e a saúde de quem espera o jantar para
comer carboidratos. Na pesquisa, vale frisar, foi observado o sobe e
desce não só da leptina mas de outros dois importantes hormônios: a
grelina e a adiponectina. "A primeira desencadeia a fome, e a segunda,
entre várias funções, facilita a ação da insulina", resume o
endocrinologista João Eduardo Nunes Salles, vice-presidente da
Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome
Metabólica, a Abeso.
Emagrecer sem sentir fome é um dos grandes segredos para não sabotar a dieta
A
experiência israelense contou com a participação de 78 policiais
gordinhos. Eles seguiram uma dieta de aproximadamente 1 500 calorias,
composta de 20% de proteínas, de 30 a 35% de gorduras e de 45 a 50% de
carboidratos - ou seja, equilibrada e digna de quem deseja caber em uma
calça dois números menor. A diferença crucial é que, enquanto uma parte
dos voluntários podia distribuir o consumo dos carboidratos no decorrer
do dia, a outra foi orientada a concentrar a ingestão desse
macronutriente no mítico período noturno.
Depois de seis meses,
todo mundo eliminou, em média, 10 quilos. Porém, o que realmente
surpreendeu foi a mudança no padrão de secreção hormonal daqueles que
esperaram o sol se despedir para levar o carboidrato à mesa. "A leptina,
substância que diminui o apetite, subiu durante o dia, momento em que
não houve pico de grelina, o hormônio da fome", descreve a nutricionista
Rávila Graziany, da Universidade Federal de Goiás. "Esse padrão
provavelmente explica o fato de esse grupo ter apresentado índices bem
maiores de saciedade", conclui.
No dia a dia, o resultado
representaria grande vantagem para quem trava uma batalha contra o
ponteiro da balança. "Se a pessoa emagrece e, ao mesmo tempo, sente
menos vontade de comer, há mais chances de ela se manter fiel à dieta",
calcula o nutricionista e farmacêutico bioquímico Gabriel de Carvalho,
membro do Conselho Regional de Nutricionistas do Rio Grande do Sul.
Mas
não é só por isso que a análise da Universidade Hebraica gera grande
interesse e - por que não? - alegria. "Ela quebra aquele paradigma de
que não se deve comer carboidratos à noite", avalia o endocrinologista
Amélio Godoy Matos, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e
Metabologia, a Sbem. Paradigma, diga-se de passagem, que nunca teve
comprovação científica. "Os verdadeiros responsáveis pelo ganho de peso
são a ingestão exagerada de calorias, a alimentação desequilibrada e o
sedentarismo", enumera a nutricionista Joyce Gouveia, da Divisão de
Nutrição e Dietética do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Outro
argumento que advoga em favor do macarrão no jantar é que o hormônio
adiponectina apareceu em níveis bem mais elevados entre aqueles que
apostaram na dieta, digamos, inusitada sugerida pelos estudiosos. "Essa
substância é considerada protetora, uma vez que favorece a ação da
insulina e, consequentemente, o aproveitamento da glicose pelas
células", aponta o endocrinologista Paulo Rosenbaum, do Hospital
Israelita Albert Einstein, em São Paulo. "Dessa forma, o risco de
desenvolver diabete despenca."
Reduzir a gordura abdominal afasta um monte de doenças
A
adiponectina igualmente exerce um efeito anti-inflamatório e, por isso,
ter uma boa quantidade desse hormônio passeando pelo corpo é capaz de
beneficiar cérebro, coração, fígado... Enfim, todos os órgãos que sofrem
com a inflamação decorrente da obesidade. Aqui, devemos ser justos: não
foi só a adiponectina que tornou o quadro menos desastroso. A turma que
comeu carboidrato à noite também viu a proteína C-reativa - um
indicador do estado inflamatório - sofrer uma queda vertiginosa, de
quase 28%. No outro grupo, a redução foi de apenas 5,8%. "Atualmente,
esse é um dos principais marcadores associados a doenças
cardiovasculares", informa o nutricionista Gabriel de Carvalho.
Ou
seja, sofrer um infarto ou derrame se tornou uma realidade mais
distante para esse pessoal, já que, de quebra, eles viram as taxas de
colesterol HDL subir. A versão é aclamada porque faz uma faxina na
circulação, varrendo o colesterol que seu parente de má índole, o LDL,
deixa para trás. Esse tipo traiçoeiro, só para constar, deu as caras em
menores quantidades em todos os voluntários, assim como os
triglicerídeos. "A melhora desses parâmetros foi surpreendente e é muito
bem-vinda para a saúde geral do indivíduo", avalia o endocrinologista
Filippo Pedrinola, de São Paulo.
Um dos principais
patrocinadores de todas essas benesses nos participantes foi a perda de
gordura estocada na cintura, região na qual é produzida uma série de
hormônios. Apesar de os pesquisadores não terem se debruçado sobre esse
aspecto, sabe-se que as dobrinhas na área têm relação até com o câncer.
"Quando a circunferência abdominal é avantajada, há maior produção de
insulina. E esse hormônio impulsiona uma molécula chamada IGS1, que está
por trás de tumores no intestino grosso, esôfago, ovário, entre
outros", esmiúça Pedrinola.
Mas nada disso é motivo para lotar o
prato de carboidratos em todas as refeições. Em excesso, o
macronutriente induz exatamente o oposto de todas as benfeitorias
descritas ao longo da reportagem, começando pela disparada do peso
corporal. O que muda na história é que agora ninguém precisa dispensar
um saboroso jantar - com arroz ou batata - para se manter magro e
saudável.
Sabotadores da saciedade
Certos medicamentos, como algumas classes de antidepressivos, podem atuar no centro de fome e saciedade. "Daí o risco de engordar", observa Amélio Godoy Matos, da Sbem. Para a mulher, outro fator que mexe no apetite é a TPM. "Com a baixa de serotonina, ela tende a procurar mais carboidratos", justifica Paulo Rosenbaum, do Hospital Israelita Albert Einstein.
Certos medicamentos, como algumas classes de antidepressivos, podem atuar no centro de fome e saciedade. "Daí o risco de engordar", observa Amélio Godoy Matos, da Sbem. Para a mulher, outro fator que mexe no apetite é a TPM. "Com a baixa de serotonina, ela tende a procurar mais carboidratos", justifica Paulo Rosenbaum, do Hospital Israelita Albert Einstein.
A dança dos hormônios
Conheça melhor as moléculas estudadas pelos cientistas israelenses
Conheça melhor as moléculas estudadas pelos cientistas israelenses
Leptina O
nome vem do grego leptos, que significa magro. E o motivo é justo: ao
alcançar o cérebro por meio da corrente sanguínea, esse hormônio se liga
a determinados receptores no hipotálamo, desencadeando a sensação de
barriga cheia. A leptina é produzida no tecido adiposo e, por isso, até
está aumentada nos mais cheinhos. Só que eles são resistentes à sua
ação. O pico de produção costuma acontecer à noite e nas primeiras horas
do dia. No estudo, entretanto, quem comeu carboidratos depois do pôr do
sol apresentou mais leptina durante a tarde, o que resultou em uma
maior saciedade.
Grelina A alcunha se origina
do proto-indo-europeu ghre, correspondente, em inglês, a grow, que quer
dizer crescer. Isso porque uma de suas principais funções é justamente
estimular a liberação do GH, hormônio que, entre outras coisas, faz as
crianças espicharem. Talvez para facilitar essa tarefa, a grelina também
promoveria o apetite. Sua concentração costuma ser alta durante o jejum
ou em períodos que antecedem as refeições, caindo logo após nos
alimentarmos. No grupo da dieta experimental, o pico de liberação desse
hormônio se desviou para a noite, o que pode ter culminado em maior
controle da fome.
Adiponectina Possui
propriedades antiaterogênicas - ou seja, evita o depósito de gorduras
nas artérias - e anti-inflamatórias. Além disso, dá uma força à ação da
insulina, reduzindo o risco de diabate. Assim como a leptina, é
fabricada pelo tecido adiposo. Mas curiosamente as taxas de adiponectina
caem à medida que a massa gorda aumenta. É que, ao ganhar volume, a
célula de gordura passa a secretar outras substâncias - estas
pró-inflamatórias - de forma intensa. Na pesquisa israelense, houve um
salto nos níveis de adiponectina quando a ingestão de carboidratos
ocorreu ao escurecer.
Carboidratos simples
São aqueles compostos de moléculas menores, os dissacarídeos. Como consequência, levam pouco tempo - em média, 15 minutos - para alcançar a corrente sanguínea. Para quem precisa de energia imediata, são boas pedidas. "Contudo, eles contribuem para picos glicêmicos, o que pode ocasionar o ganho de peso e prejudicar quem tem diabete", informa a nutricionista Joyce Gouveia, do Hospital das Clínicas. Os doces e o açúcar das frutas estão nesse time.
São aqueles compostos de moléculas menores, os dissacarídeos. Como consequência, levam pouco tempo - em média, 15 minutos - para alcançar a corrente sanguínea. Para quem precisa de energia imediata, são boas pedidas. "Contudo, eles contribuem para picos glicêmicos, o que pode ocasionar o ganho de peso e prejudicar quem tem diabete", informa a nutricionista Joyce Gouveia, do Hospital das Clínicas. Os doces e o açúcar das frutas estão nesse time.
Carboidratos complexos
Formados por polissacarídeos, eles demandam um tempo de digestão de até duas horas. "Nesse grupo estão os cereais, a exemplo do arroz, da aveia e do trigo, e seus derivados, como pães, massas e farinhas, além de tubérculos e raízes", lista Joyce. As opções integrais são as mais vantajosas, porque reúnem boas doses de fibras e, assim, dão saciedade extra e têm menor impacto glicêmico - isso significa que mandam glicose para o sangue gradualmente.
Formados por polissacarídeos, eles demandam um tempo de digestão de até duas horas. "Nesse grupo estão os cereais, a exemplo do arroz, da aveia e do trigo, e seus derivados, como pães, massas e farinhas, além de tubérculos e raízes", lista Joyce. As opções integrais são as mais vantajosas, porque reúnem boas doses de fibras e, assim, dão saciedade extra e têm menor impacto glicêmico - isso significa que mandam glicose para o sangue gradualmente.
A tal carga glicêmica
Antes de julgar um alimento tomando como base apenas a velocidade com que ele dispara a glicose no sangue, é bom saber que algumas combinações podem ser favoráveis por causa da carga glicêmica final. Um exemplo: não tem problema se entregar a uns quadradinhos de chocolate ao final de uma refeição, desde que essa tenha sido fonte de carboidratos complexos, preferencialmente os integrais. O mesmo raciocínio serve para as frutas. Se consumi-las com casca ou bagaço, dá para escapar dos picos de glicemia.
Revista Saúde Vital
Antes de julgar um alimento tomando como base apenas a velocidade com que ele dispara a glicose no sangue, é bom saber que algumas combinações podem ser favoráveis por causa da carga glicêmica final. Um exemplo: não tem problema se entregar a uns quadradinhos de chocolate ao final de uma refeição, desde que essa tenha sido fonte de carboidratos complexos, preferencialmente os integrais. O mesmo raciocínio serve para as frutas. Se consumi-las com casca ou bagaço, dá para escapar dos picos de glicemia.
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