Por que tudo custa tão caro no Brasil
Por Alexandre Versignassi e Felipe van Deursen
Perguntaram ao ganhador do Big Brother:
- E aí? O que você vai fazer com o seu milhão?
- Vou comprar um apartamento em Brasília.
- E com o resto?
- O resto eu financio pela Caixa!
Essa piada já rola há um tempo em Brasília. Mas serve em
qualquer lugar. De 2008 para cá, só em São Paulo, os imóveis subiram
163%. R$ 1 milhão é o novo R$ 380 mil no Banco Imobiliário da vida real.
O metro quadrado na capital paulista e no Rio já está entre os mais
altos do mundo. Nos bairros ricos, então, haja Big Brother: um
apartamento de 100 m² no Leblon custa a mesma coisa que um em Paris – R$
2 milhões. E já começam a aparecer nos classificados coberturas de R$
20, R$ 30 milhões.
Aqui embaixo, as leis não são diferentes. O Big Mac
brasileiro é o quinto mais caro do mundo. Enquanto os moradores de
Tóquio pagam R$ 7 por ele, nós gastamos R$ 11,25 – e olha que o Japão
não é exatamente um país conhecido pelo baixo custo de vida. Em Paris,
que também não está na lista das cidades mais baratas da Terra, você
paga R$ 25 por uma coxa de pato. Isso no Chartier, um restaurante
badalado do bairro mais fofo da cidade, Montmartre. Na nem tão fofa
assim São Paulo, o mesmo pedaço de pato pode custar até R$ 70 – e não
consta que o dono do restaurante pague ao pato para que ele venha voando
de Montmartre até a Vila Madalena.
Com o frango é diferente: ele vai voando, sim. Boiando, na
verdade – congelado dentro de um cargueiro, mas vai. Daqui até a Europa.
O Brasil tem de frango quase o que a China tem de gente (1,26 bilhão,
segundo o IBGE). É o maior exportador do mundo. Parte desse efetivo
galináceo vai para a Alemanha após a morte. E alguns desses penados
possivelmente acabam no Görlitzer Park, onde os berlinenses fazem fila
para comprar pratinhos de halbHähnchen (meio frango). Custa R$ 9,50 lá,
com batata frita. No Brasil é quase R$ 20. Sem batata frita.
E não é só frango que a gente manda ao mar e que é vendido
mais barato lá fora. Mandamos carros. O Gol sai da fábrica em São
Bernardo do Campo (SP) e desliza de cargueiro até o México. O modelo
básico lá é o 1.6 quatro portas, com ar-condicionado. Aqui, um Gol assim
sai por R$ 37 mil. Lá, Dona Florinda e Professor Girafales podem pagar
R$ 23 mil pelo mesmo “Nuevo Gol”. Se o Quico fizer birra e quiser um
carro mais vistoso, dá até dá para pensar num Camaro. Lá custa R$ 65
mil. Aqui, R$ 190 mil. Com a diferença, dá para pagar um ano e quatro
meses de diárias no Las Brisas Acapulco, um dos melhores hotéis do
balneário mexicano.
Agora, quando o carro é caro mesmo, a diferença fica épica.
Sigam-me os bons: o conversível mais invocado da história deve chegar
ao Brasil em 2013. É o Lamborghini Aventador LP 700-4 Roadster. Aqui,
ele vai ter uma etiqueta de preço tão grande quanto o nome: R$ 3
milhões. E pelo menos três brasileiros já reservaram os deles. Mas
então, Eike: se você deixar para gastar esses R$ 3 milhões nos Estados
Unidos, pode comprar um helicóptero, um apartamento em Manhattan e mais o
mesmo Lamborghini! Olha só: lá ele custa R$ 890 mil. Com os R$ 2,1
milhões de diferença dá para comprar o apartamento (R$ 1,2 milhão) e o
helicóptero (R$ 920 mil).
E um apartamento nos Jardins então, à venda por R$ 30
milhões? Cinco suítes, oito vagas na garagem… Uau. Mas com essa grana
você compra um palácio na França (R$ 14,4 mi), uma vila em Portugal (R$
8,6 mi), uma fazenda na Itália (R$ 3,4 mi), uma cobertura no litoral da
Espanha (R$ 2,2 mi) e mais um chalé nos Alpes (R$ 1,4 mi). E ainda sobra
um troco para o lanche. Se for um Big Mac, melhor ainda. Ele é mais
barato em todos esses países.
E é isso que os brasileiros vêm fazendo, por sinal: deixar
para comprar em outros países. Você sabe: iPad, enxoval de bebê,
maquiagem… Todo mundo volta carregado. O português das vendedoras de
Miami já está melhor que o nosso. E tinha de estar mesmo: o gasto de
brasileiros no exterior é o que mais cresce no país. O PIB travou, mas a
quantidade de dólares que gastamos lá fora sobe que é uma beleza. Eram
US$ 10,9 bilhões em 2009. Hoje são US$ 22 bi. Dá um crescimento de 19,5%
ao ano. O do PIB, no mesmo período, subiu só 2,7% por ano. Ou seja:
estamos consumindo o PIB dos outros, já que o nosso está caro demais.
Por que está caro demais? Porque o Brasil ganhou na Mega-Sena. E está
gastando tudo no bar.
A multiplicação do crédito
Nossa Mega-Sena veio nos primeiros anos deste século. Entre
2003 e 2007, os cinco anos antes da crise de 2008, o Produto Interno
Bruto do planeta cresceu em média 5% ao ano – com a China chegando a
picos de 11%, 12%, depois 14%. “A economia mundial vem passando por uma
fase de exuberância maior ainda que nos golden years da década de 1960”,
escreveu na época o economista Fabio Giambiagi, do BNDES.
Bom, Produto Interno Bruto é um dado medido em dinheiro.
Mas PIB não é dinheiro. PIB são coisas concretas. Só o crescimento do
PIB chinês significou a construção de 1.500 prédios de mais de 30
andares por ano no país. Xangai, que não tinha metrô até 1995, passou a
ter 454 quilômetros de linhas – contra 402 km em Londres, 337 km em Nova
York e 74 km em São Paulo. Era um mundo novo nascendo do zero.
E o Brasil surfou nesse trem vendendo matéria-prima para o
resto do mundo. Principalmente minério de ferro, petróleo e comida –
commodities, como dizem os economistas. Entre o começo dos anos 90 e
2002, exportávamos em média US$ 54 bilhões por ano. De 2003 até 2011, a
média triplicou para US$ 155 bilhões.
Não por coincidência, foi exatamente nesse período que 40
milhões de brasileiros saíram da pobreza. Entraram para a classe C.
Outros 9 milhões saíram da C e subiram para a A e a B. Tudo porque o
dinheiro das exportações azeitou os motores da nossa economia. Funciona
assim: imagine um sujeito que ganhou milhões com minério de ferro, tipo
um diretor da Vale. Ele se aposenta, pega o que juntou nos anos dourados
e abre uma rede de pizzarias. O gerente da pizzaria resolve comprar um
carro. O dono da concessionária compra uma SUPER… e nós queimamos as
calorias nadando na piscina de dinheiro que montamos na redação. São as
engrenagens da economia girando.
Só isso já começa a explicar o boom dos imóveis. Agora o
gerente da pizzaria, o dono da concessionária e a equipe da SUPER não
dependiam mais do Baú da Felicidade para tentar o sonho da casa própria.
Sentiram que dava e foram atrás de apartamento.
Mas prédios novos não dão em árvore e, como dizia o mafioso
e investidor do mercado imobiliário Tony Soprano, “Deus não está
abrindo terrenos novos por aí”. Emilio Haddad, um engenheiro
especialista em imóveis e professor da USP, concorda com Tony: “A oferta
de terrenos urbanos é escassa no Brasil”.
A escassez de oferta bateu de frente com a fome dos
compradores. O preço dos imóveis, que estava mais ou menos estagnado
havia dez anos, começou a subir. E o que aconteceu, então? Ficou mais
fácil comprar apartamento! Não mais difícil, como a razão pura mandaria.
É que a economia tem uma lógica peculiar: os bancos começam a financiar
mais quando o mercado imobiliário esquenta. O banqueiro se sente
protegido. Se o tomador do financiamento der calote, o banco vende o
apartamento depois por um valor bem maior do que pagou. Imagine a
situação: um cara financiou um apartamento de R$ 380 mil em São Paulo,
em 2008, e perdeu o emprego. Não conseguiu mais pagar as parcelas do
financiamento. O que acontece com o banco que pagou os R$ 380 mil pelo
apartamento lá atrás? Ele vai e vende por R$ 1 milhão, ué. Lindo. É
dinheiro certo, na alegria ou na tristeza. Nisso os gerentes começaram a
receber qualquer um de braços abertos. Nem parecia banco…
Era o milagre da multiplicação do crédito. Se em 2007 os
financiamentos habitacionais representaram 1,5% do PIB, em 2012 já eram
5,5%. Há dez anos existiam R$ 4 bilhões voando pelo sistema financeiro
na forma de crédito imobiliário. Hoje são R$ 100 bilhões. E se a demanda
já estava quente, com o estouro da boiada do crédito ela pegou fogo.
Foi a disparada do terraço gourmet. Rio, São Paulo, Brasília, Recife,
Fortaleza, Belo Horizonte… Em todas essas capitais o metro quadrado
subiu mais que a inflação de 2008 para cá, que foi de 25%. No Rio, foram
200%, já que Deus não tem mais para onde aumentar o Leblon.
De quebra, o preço do cimento, do aço e de tudo o mais que
você precisa para levantar um prédio também subiu. Quem reformou a casa
recentemente sentiu o peso da argamassa de ouro. A unidade monetária dos
mestres de obra passou a ser o “dois pau”. “Quanto sai para arrumar essa parede aqui?”. “Dois pau”. “E o encanamento?”. “Ah, dois pau”.
Como dissemos, esse fenômeno começa a explicar o aumento
dos imóveis. Mas não termina. Tem outra razão para os aumentos, menos
glamourosa que a piscina de dinheiro das exportações: a nossa lerdeza.
O custo Brasil
Dá para entender nossa lentidão sem sair do mundo dos
imóveis. O método mais comum de construção por aqui continua sendo
basicamente o mesmo da Mesopotâmia de 8 mil a.C.: a alvenaria – levantar
paredes tijolo por tijolo (ou bloco de concreto por bloco de concreto),
unindo tudo com argamassa. Lá fora, usam mais material pré-fabricado:
uma usina vai e monta placas de concreto (ou de cerâmica). As placas
saem da usina, vão para a construção, e os operários montam o prédio
como se fosse um Lego gigante. Vão encaixando tudo. “Se aqui um
empreendimento com duas torres de 35 metros exige até 1.500
trabalhadores e leva 42 meses para ficar pronto, os americanos erguem
uma obra dessa magnitude em 30 meses e com metade dos funcionários”,
disse Alessandro Vendrossi, diretor da Brookfield, uma construtora, em
uma entrevista recente à revista EXAME. Na China, usando ainda mais
material pré-moldado e uma logística do demônio, já conseguem levantar
prédios de 30 andares em 15 dias. Olha só:
Se fosse assim no Brasil, a oferta de prédios novos
acompanharia qualquer demanda. E o preço dos imóveis não teria
explodido. Pelo menos não tanto. Por que não tem nada assim no Brasil,
então? Porque os empresários e o governo gastam pouco para melhorar seus
meios de produção, não investem o que poderiam em máquinas mais
modernas e novas fábricas (como usinas de placas de concreto). Na China,
esse tipo de investimento corresponde a 48% do PIB. Metade do que o
país produz tem em vista justamente produzir mais. Um terço do aço que a
China fabricou na era dourada, boa parte usando o nosso minério como
matéria-prima, foi para a construção de novas usinas de aço. Aqui,
pegaram o dinheiro do minério e foram comprar Land Rovers e reformar
coberturas na Lagoa.
Investir em mais meios de produção é ótimo porque baixa os
custos lá na frente. É um PIB que gera mais PIB. A argamassa não fica
valendo ouro porque o país passa a produzir mais e melhor argamassa (ou
placas pré-fabricadas). E aí não tem como surgir a cultura do “dois
pau”. Os preços não partem para a irracionalidade. Não dá.
O nome técnico que os economistas dão para esse tipo de
gasto é, não por acaso, “investimento”. E a regra é óbvia: quanto menos
desenvolvido for um país, mais ele precisa gastar em investimento. Os
emergentes colocam em média 31% de seus PIBs nisso. A Mongólia, novo
quintal de commodities da China, 51%. Nós, 19%. É o mesmo tanto que o
Egito – um país que só gastou de verdade com investimento quando fez as
pirâmides.
Quem pode se dar ao luxo de gastar pouco com investimento
são nações que já se desenvolveram há tempos: Suíça, Bélgica, Finlândia…
Esses também estão no clube dos 19%, mas já são bem industrializados.
Ainda não é o nosso caso. E, se continuarmos investindo pouco, nunca
será.
A falta de investimento é a explicação por trás do “custo
Brasil” – o fato de que produzir aqui é mais caro e penoso do que em
países desenvolvidos. Ferrovia, por exemplo. Ferrovia é um caso clássico
de investimento: custa caro, mas dá retorno de longo prazo, tornando
fretes mais baratos. O Brasil tem 29,8 mil quilômetros de linhas
férreas. Dez mil foram construídos por dom Pedro 2º. E hoje nossas
linhas não alcançam os lugares que mais precisam delas, como as regiões
produtoras de soja no Mato Grosso. Nisso a soja percorre boa parte do
caminho até os portos de caminhão mesmo.
Resultado: enquanto o custo de transporte por tonelada de
soja é de R$ 35 nos EUA, aqui é de R$ 160. Já a China, sempre ela,
adicionou mais de meio Brasil em trilhos só entre 2007 e 2011: 19 mil
quilômetros. E hoje eles têm 98 mil. Ficam atrás só dos EUA e da Rússia,
outros dois países continentais, que também precisam de ferrovias para
respirar (são 226 mil nos EUA e 128 mil na Rússia). Lembra de algum
outro país continental no mundo? Canadá: 46 mil. Austrália: 38 mil. E a
Argentina tem 36 mil, 7 mil a mais que o Brasil. Pois é.
Sem uma malha ferroviária decente, o custo do transporte
vai lá para cima. E acaba embutido nos preços de tudo. Levar um carro da
fábrica em São Paulo para uma concessionária em Salvador (a 1.900 km)
custa quatro vezes mais do que o frete entre Xangai e Pequim (1.200 km).
Na era dourada dos anos 00, a China levantava duas
termelétricas novas por semana. O Brasil, abençoado por Deus e
hidrelétrico por natureza, não se preocupou tanto com a parte da
energia. E agora estamos pagando a conta via custo Brasil. Produzir uma
tonelada de cimento, por exemplo, custa por volta de R$ 30 em
eletricidade. Parece pouco, mas o consumo de cimento em 2011 foi de 65
milhões de toneladas. Dá R$ 1,9 bilhão de conta de luz. Nos EUA, a
energia industrial é 55% mais barata do que a nossa era até 2012. Ou
seja: produzir a mesma quantidade de cimento lá estava saindo por R$ 1
bilhão a menos só na eletricidade. Metade do valor. E tome argamassa de
ouro… Por que tão caro? Porque as companhias de energia tinham contratos
de pai para filho – às vezes com reajustes anuais pelo IGPM, o índice
de inflação invariavelmente mais gordo que o IPCA. Ser acionista de uma
companhia de energia, até o ano passado, era dormir em berço esplêndido:
muito lucro e pouca dor de cabeça com esse negócio de “investimento”.
Tanto havia gordura para queimar aí que o governo renegociou seus
contratos com as companhias de energia. A tarifa residencial caiu 18% e a
industrial, 32%, segundo a Aneel. E o mundo não acabou, nem o Brasil
apagou. Mas nossa indústria ainda paga 33% a mais pela energia do que a
dos EUA. Ainda temos muito a investir aí.
Só que fica difícil investir quando a gente se depara com
outro insumo que custa muito dinheiro: o próprio dinheiro. Pois é. O
empréstimo para capital de giro (que os empresários usam para tocar
despesas do dia a dia, como folha de pagamento) sai por uma taxa média
de 19% ao ano. No Chile, são 5,8%. Na China, 3,7%. Na Alemanha, 2,5%.
Nos EUA, 1,1%. Dá para ir até o final dessa matéria só listando os
países em que o dinheiro é mais barato. Cortesia do nosso spread
bancário. Spread é o seguinte: banco também toma dinheiro emprestado. Às
vezes, de você mesmo. Quando você põe dinheiro em um CDB, por exemplo,
está emprestando para ele. A diferença entre os juros que o banco paga
para você e o que ele cobra quando empresta (na forma de crédito para
capital de giro, por exemplo) é o spread. E o nosso spread é o maior do
mundo. Vício de um sistema bancário acostumado a taxas pornográficas de
juros. Seu cartão de crédito está de prova. E os preços altos também: a
Fiesp diz que pelo menos 7,5% do preço final de qualquer produto é culpa
dos juros que os bancos cobram. E que a indústria gasta R$ 156 bilhões
anuais só para pagar esses juros. É o mesmo tanto que o BNDES empresta
por ano para fomentar o “desenvolvimento econômico e social” que faz
parte de sua sigla. Aí uma coisa acaba anulando a outra. Nossos juros
altos, nossa energia cara e nossa logística do século 19 são grandes
freios para o PIB. E aceleradores dos preços altos.
Mas ainda tem o turbo dos preços: nossos amigos impostos, que estão sempre com a gente.
O manicômio tributário
Em 1821, dom Pedro, recém-nomeado príncipe regente, viu-se
em uma enrascada. O Brasil estava quebrado. Para tentar reverter o
quadro, uma de suas primeiras medidas foi abolir o imposto do sal e da
navegação de cabotagem, que encareciam a produção de charque, um dos
principais itens da economia de então. É, o excesso de impostos já era
um entrave. Brasileiro, você sabe, paga muito imposto. Somos só o 75º
país em PIB por habitante. Mas temos a 14ª carga tributária mais alta:
36,2% em relação ao PIB.
Mas o buraco é mais embaixo. Se fosse uma pessoa, nossa
carga tributária seria aquele namorado problemático, cheio de picuinhas e
histórias mal contadas. Imposto é uma coisa tão complicada no Brasil
que as empresas gastam 108 dias por ano só para preparar, registrar e
pagar tributos. Estamos em 130º no ranking de burocracia do Banco
Mundial (que é de trás para a frente: quanto mais embaixo na lista, mais
burocrático é o país). Se sua Praga fosse aqui, Franz Kafka teria muita
inspiração para escrever a respeito (a República Tcheca manda um salve
do 65º lugar, aliás). A média nos países desenvolvidos é de uma semana
para tratar da papelada. “Já ouvi donos de multinacionais dizerem que as
equipes da área de tributação são dez vezes maiores aqui que no
exterior”, diz Fernando Pimentel, diretor da Associação Brasileira da
Indústria Têxtil. “É um manicômio tributário”.
As empresas gastam um terço do ano para lidar com impostos.
São 88 tributos federais, estaduais e municipais, que vão da
contribuição para a aposentadoria à taxa de lixo. Além disso, as regras
mudam constantemente: 46 normas tributárias sâo editadas por dia. A cada
26 minutos, a Receita Federal cria uma nova regra.
Olhe seu sapato. Se for Made in China, ele custava cerca de
US$ 5 quando desembarcou no Porto de Santos. A partir daí, o preço
sobe. Primeiro, é o Imposto de Importação, um tributo federal que, no
sapato, é de 35%. Depois, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços (ICMS), que é recolhido pelos Estados (e, em cada um deles, há
uma tarifa diferente). Os famosos PIS e Cofins também aparecem nessa
operação. O Programa de Integração Social (PIS) foi criado para
alimentar um fundo de pagamento de seguro-desemprego. Já a Contribuição
para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) serve para
investimentos em saúde, previdência e assistência social. No caso do
sapato, eles somam 9,1%. Também há uma taxa de Cofins exclusiva para
importados e, no exemplo chinês, uma sobretaxa de US$ 13,85 por par
desembarcado no Brasil. É uma medida antidumping do governo. Ou seja,
ela serve para evitar que o preço baixíssimo do calçado chinês
prejudique a indústria calçadista brasileira – e também dá uma folga
para que essa indústria não seja obrigada a baixar suas margens de lucro
por causa da concorrência.
Ok. Agora, se o seu sapato foi fabricado aqui, a história
muda. São 12% de ICMS e mais 9,25% de PIS e Cofins. Mais outros 34% de
Imposto de Renda e de Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL),
um imposto que também foi criado para ser revertido em saúde,
previdência e assistência social. Depois são 0,04% de IOF, o Imposto
Sobre Operações Financeiras. E ainda tem os gastos com os funcionários:
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que é aquela poupança que
o governo faz em seu nome, caso você seja demitido sem justa causa. E a
taxa do INSS, o Instituto Nacional da Seguridade Social, que um dia
pagará sua minguada aposentadoria. Somados, dão 6,5%. Assim, o calçado
sai da linha de produção a R$ 59, segundo a gerente de custos de uma
fábrica de grande porte que preferiu não ser citada. Cansou? Pois isso é
só na indústria. Sobre o varejo, incidem ICMS, PIS e Cofins, além de um
outro, o ISS, sobre serviços, cobrado em cada município (varia entre 2%
e 5%).
Calma que piora. Se você simplesmente somar os percentuais
de impostos, a conta não fecha. É que há tributos que incidem uns sobre
os outros. E vão depender se a empresa paga imposto sobre o lucro
presumido ou real, por exemplo. E aí os preços ficam como ficam. No ovo
de Páscoa, 38,5% do valor cobrado são impostos. E, no bacalhau
importado, gordurosos 43,7%. Por isso que cada vez mais gente vai às
compras no exterior: um Samsung Galaxy SIII, em Miami, sai por R$ 650.
Em São Paulo, o celular não sai por menos de R$ 2.048. Pelo menos em
parte, dá para culpar os impostos: lá são só 7%, enquanto aqui são quase
40%.
Para desatar o nó, economistas, políticos e empresários
clamam pela reforma tributária. A maioria dos especialistas ouvidos pela
SUPER defende que o imposto migre do consumo para o patrimônio, ou
seja, que pese sobre o lucro e sobre a renda e não sobre trabalho,
produção e consumo. Isso faz muita diferença. “Hoje, a maior parte do
que pagamos de imposto é sobre o faturamento [tudo o que entra em
caixa], não sobre o lucro”, diz o presidente do Instituto Brasileiro de
Planejamento Tributário (IBPT), João Eloi Olenike. Ou seja: os
comerciantes têm de pagar impostos gordos mesmo quando têm prejuízo.
Isso estimula bastante a livre-iniciativa – só que ao contrário.
Enquanto a reforma não sai, alguns setores da economia fazem acordos
pontuais. No ano passado, por exemplo, a indústria automobilística foi
beneficiada pela redução do Imposto sobre Produtos Industrializados
(IPI). Resultado: a venda de veículos subiu 4,6% em relação a 2011 – e o
IPI virou garoto-propaganda dos comerciais de carro.
Mas não. Os impostos não explicam tudo sozinhos. Nem o custo Brasil. Outro fator também entra na conta: o “lucro Brasil”.
O lucro Brasil
No México, o Honda City é um carro importado. Não do Japão,
mas de Sumaré, no interior de São Paulo. O City sai da fábrica da
Honda, na região de Campinas, embarca para o México, e é vendido lá por
R$ 33.500. Aqui, o mesmo modelo, da mesma fábrica, custa R$ 53.600.
O custo Brasil não explica a diferença, já que o carro é
feito aqui, sob o corredor polonês de penúria que é produzir aqui. Tem
os impostos. No Brasil, 36% do preço final de um carro é imposto.
Significa que, despido de taxas, o City sairia por R$ 34 mil.
Ok. Mas o México não é o Jardim do Éden tributário. O imposto lá
equivale a 18% do preço final de um carro. Então o preço mexicano do
City sem os tributos de lá seria de R$ 27.500. Ou seja: mesmo tirando os impostos da jogada, o City brasileiro ainda custa R$ 6.500 a mais que o seu irmão mexicano.
Com o Gol acontece a mesma coisa. No México, ele é um carro
importado do Brasil, com a diferença que o modelo básico lá é bem
superior ao nosso, que é 1.0, duas portas e sem ar. Mas vamos comparar
só os modelos com a “configuração mexicana” – 1.6, quatro portas, com
ar. Descontando os impostos de cada lado, como fizemos com o City, o Gol
brasileiro vendido no México ainda é R$ 4.500 mais barato
que o nosso. Conclusão: a margem de lucro aqui é maior do que lá. E em
tese deveria ser menor: o Brasil é o quarto maior mercado consumidor de
carros no mundo, atrás apenas de China, EUA e Japão. É mais fácil ganhar
na escala (vendendo mais a um preço menor) do que no México. Nosso
mercado dá quatro vezes o deles. Mas não. Aqui é mais caro, mesmo
tirando os impostos e o custo Brasil da jogada.
A Associação Nacional dos Produtores de Veículos (Anfavea)
se defende. Diz que não é possível falar em preços fora da realidade do
mercado em um ambiente competitivo como o brasileiro, onde há mais de
mil modelos à venda, entre nacionais e importados.
De fato. Talvez o problema esteja mesmo na “realidade do
mercado”. Nessa realidade, pagar R$ 100 mil em carro passou a ser uma
despesa aceitável, mesmo que isso comprometa uma fatia gorda do salário.
A verdade é que preços altos têm uma força magnética no País. Gostamos
de gastar, de ostentar. É status. A ponto de lojas de preços acessíveis
na Europa, como a espanhola Zara e a inglesa Topshop, virarem grife
aqui. A regra no Brasil é consumir muito e poupar pouco. Segundo o
instituto de pesquisas Nielsen, os brasileiros guardam 27% do que ganham
– contra uma média de 39% no resto da América Latina. No ano passado,
consumimos quase 10% a mais que em 2011, em especial nas concessionárias
(30,3%) e nos supermercados (28,8%). Isso não é ruim na essência – no
Japão, gastam pouco e poupam muito, e a economia deles está estagnada.
Mas se a produção não acompanha o consumo, não tem jeito: os preços
sobem. Outro problema é que nos endividamos muito. Uma pesquisa recente
do Ibope diz que 41% dos brasileiros têm dívidas. Entre os alemães, por
exemplo, são 10% (e isso é um recorde histórico lá).
“Nunca tivemos tanto crédito e, por falta de educação
financeira, o pensamento é: ‘Estão me dando dinheiro, vou gastar’”, diz o
economista Samy Dana, da Fundação Getúlio Vargas. Para Gustavo Loyola,
ex-presidente do Banco Central, “as pessoas não estão acostumadas a
lidar com isso. Doce é bom, mas demais lambuza”. Temos uma boa desculpa,
até. Não faz tanto tempo, em 1993, a inflação medida pelo governo
alcançou estratosféricos 2.477%. Todo dia 5, os brasileiros corriam ao
supermercado para abastecer a despensa de arroz e feijão e o freezer de
carne. Porque, no dia 6, os preços já teriam sido remarcados. Como
pensar em poupar em um cenário desses? O negócio era gastar, antes que o
dinheiro – ou seus zeros à direita – desaparecesse.
A verdade é que temos muito a aprender sobre como lidar com
dinheiro. “Agora chega”, diz a economista Virene Roxo Matesco, da FGV.
“A inflação foi debelada em 1994. Já temos uma geração de consumidores
que não sabe o que é isso”, diz. “As pessoas não têm ideia do
custo-benefício de poupar”. Pois é. Uma hora a gente aprende. Mas, se o
governo e as empresas não colaborarem, investindo mais em produção e
cortando tributos excessivos, não vai adiantar grande coisa. E vamos
continuar enxergando os preços justos como uma atração turística do
exterior.
*Com reportagens de Clarissa Barreto e Cristine Kist
Revista Superinteressante