sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Nova técnica quer converter casca de laranja em biocombustível

Leila Battison






Laranjas

Cientistas querem aproveitar cascas de laranjas que sobram da fabricação de suco

Uma parceria entre cientistas britânicos, brasileiros e espanhóis pretende testar uma nova tecnologia para transformar resíduos alimentares, como cascas de laranja, em compostos químicos e biocombustíveis.

Segundo os cientistas, o método desenvolvido pode permitir no futuro, potencialmente, que os restos de alimentos sejam processados tanto domesticamente quanto em escala industrial.




Os pesquisadores dizem que a tecnologia poderia prover uma fonte renovável de carbono, além de resolver o crescente problema global do destino do lixo.

Eles acreditam que o método, que trata os restos alimentares com microondas concentradas, pode extrair compostos químicos úteis que podem ser usados na produção de materiais e biocombustíveis.

O método foi apresentado nesta semana pelo professor James Clark, da Universidade de York, na Grã-Bretanha, durante o Festival Britânico de Ciência em Bradford.

Juntamente com pesquisadores da Universidade de São Paulo e da Universidade de Córdoba, na Espanha, ele formou a Orange Peel Exploitation Company (Companhia para Exploração de Cascas de Laranja, em tradução livre), para coordenar as pesquisas.

Resíduos em quantidade

Os restos são um produto inevitável de processos cada vez mais complexos no suprimento global de alimentos, com resíduos orgânicos não utilizados sendo produzidos em grandes quantidades em várias etapas - nas áreas de cultivo, nas fábricas que processam os alimentos ou pelos próprios consumidores.

Na produção de mandioca na África, por exemplo, 228 milhões de toneladas de amido não utilizados são produzidos a cada ano. Na Europa, as plantações de café produzem a cada ano 3 milhões de toneladas de resíduos.

Na produção comercial de suco de laranja no Brasil, somente metade da fruta é usada, deixando o resto como resíduo. As cascas das laranjas geram cerca de 8 milhões de toneladas de resíduos ao ano.

O objetivo principal dos pesquisadores é testar a tecnologia no Brasil para aproveitar esses dejetos das laranjas.

Potencial
Resíduos de alimentos
Cientistas esperam conseguir processar qualquer resíduo de alimento com a técnica

"Você pica a casca, coloca tudo em um campo de microondas, como faria em um forno doméstico, mas com uma potência muito maior. As microondas ativam a celulose, provocando a liberação de vários elementos químicos", explica Clark.

Um desses elementos químicos, d-limoleno, pode ser usado diretamente na fabricação de perfumes e outros produtos químicos.

Os produtos químicos derivados da casca de laranja poderiam ser usados para fabricar muitos dos materiais que atualmente dependem de petróleo.

Apesar de a tecnologia ainda estar em teste, Clark se diz otimista sobre o potencial do seu uso com todos os tipos de resíduos e em várias escalas.

A tecnologia com microondas poderia processar qualquer coisa que contenha celulose e funcionaria particularmente bem com papel e cartolina.

Os pesquisadores estimam que se a nova tecnologia se tornar disponível comercialmente, seria possível processar cerca de 6 toneladas de resíduos alimentares por hora com uma máquina com custo estimado em 1 milhão de libras (cerca de R$ 2,7 milhões).



BBC News

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

É Notícia entrevista o presidente da Fiesp, Paulo Skaf fala no canal da Rede TV.

Neste bloco, Skaf aponta a importância de se fazer leilões para estabelecer um preço para a energia consumida no país. "Isso traria vantagens para todos", diz ele.





Paulo Skaf no canal da Rede TV
No último bloco, o empresário faz um rápido balanço sobre os ataques de 11/9 no plano econômico, como a China cresceu nesse período (influenciando inclusive o Brasil) e a importância de ter um câmbio competitivo para as exportações nacionais.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Telescópios rastreadores de ETs voltarão a funcionar após doações


Allen Telescope Array, na Califórnia, nos EUA. BBC
O complexo que custou US$ 30 milhões pode ter de redirecionar suas atividades
Um complexo com 42 telescópios que monitora possíveis indícios de extraterrestres, na Califórnia, nos Estados Unidos, voltará a operar em algumas semanas, graças a doações particulares. O instituto deixou de funcionar após a interrupção de financiamento público.
Uma das líderes da campanha é a atriz Jodie Foster, que conseguiu levantar US$ 200 mil (R$ 318 mil) entre 2.400 doadores para o Seti (instituto de busca por inteligência extraterrestre, na sigla em inglês), que abriga o complexo Allen Telescope Array.
O equipamento, que custou US$ 30 milhões (R$ 47,7 milhões), parou de operar após deixar de receber financiamento público, das Força Aérea americana.
Ficção e realidade
Em um comunicado no site de arrecadação, Foster disse que "o Allen Telescope Array poderia transformar a ficção científica em fatos científicos”, salientando que isso só ocorrerá se o monitoramento tiver continuidade.
Outro doador foi o astronauta da Apollo 8, Bill Anders.
O instituto diz que o fundo deve ser suficiente para manter os telescópios na ativa até o final do ano. O projeto, no entanto, ainda depende da verba pública, que até então era repassada pela Força Aérea, preocupada com o rastreamento de detritos espaciais que podem danificar satélites.
O astrônomo Seth Shostak, do Seti, disse à BBC, que o acordo com a Força Aérea americana ainda não foi retomado, mas se disse bastante confiante de que isso ocorrerá em breve. O financiamento também terá de ser aprovado pelo Congresso.
Thomas Pierson, diretor-executivo do Seti, disse que "para quem está interessado ​​em saber se há vida inteligente lá fora, em outros lugares de nossa galáxia, o Allen Telescope Array e nossa equipe de pesquisa no Seti são a melhor aposta."
O complexo começou a operar em 2007, com o nome de seu maior doador, Paul Allen, co-fundador da Microsoft.
Perguntas e respostas
O Allen Telescope Array era inicialmente um projeto conjunto da Universidade da Califórnia/Berkeley e do Seti, mas a parceria foi desfeita após cortes no repasse de verbas públicas à universidade.
O custo anual para a manutenção do projeto é de US$ 2,5 milhões (R$ 3,9 milhões). Em último caso, o complexo pode redirecionar suas atividades para a observação de planetas fora do sistema solar.
Shostak defende, no entanto, a busca por indícios de vida extraterrestre.
"As pessoas ainda pensam nessa mesma questão fundamental: 'Há alguém lá fora tão ou mais inteligente que nós?' É importante e vale a pena fazer (a pesquisa)."
O projeto na Califórnia também contribui para a pesquisa de buracos negros e campos magnéticos na Via Láctea.

BBC Brasil

Flor usada no Egito antigo tem sucesso contra câncer em pesquisa


Foto: Creative Commons
O açafrão-do-prado já era usado como veneno e remédio na Grécia e Egito antigos
Um novo remédio feito com uma flor que já tinha usos medicinais no Egito antigo pode destruir células de câncer, segundo uma pesquisa realizada por cientistas britânicos.
A nova droga produzida a partir do açafrão-do-prado (Colchicum autumnale) circula na corrente sanguínea, mas só é ativada por uma substância química emitida por tumores malignos.
Ela atacaria então as células cancerosas que se espalharam, mas deixaria intactos os tecidos saudáveis.
O remédio foi testado com sucesso em camundongos contra câncer de mama, intestino, pulmão e próstata, mas deve ser eficiente contra qualquer tipo de tumor sólido, segundo os pesquisadores.
Nos testes de laboratório, metade dos camundongos ficou completamente curada após uma única injeção da droga e houve redução no ritmo de crescimento dos tumores em todos os animais testados.
Os testes clínicos devem começar em até dois anos.
'Inanição'
Os pesquisadores dizem que a chave para o sucesso do tratamento é que ele é ativado por uma enzima usada pelos tumores para invadir os tecidos a seu redor.
Uma vez ativado, o remédio destrói as veias que alimentam o tumor e faz com que o câncer morra de inanição.
"O que criamos é, efetivamente, uma 'bomba inteligente', que pode ser direcionada a matar qualquer tumor sólido, aparentemente sem danificar os tecidos saudáveis", disse o líder da pesquisa da Universidade de Bradford, Laurence Patterson.
Veneno
Foto: PA
O pesquisador Laurence Patterson diz que remédio funciona como 'bomba inteligente'
O extrato do açafrão-do-prado tem um histórico de usos medicinais e também como veneno na Grécia e no Egito antigos.
Mais frequentemente, a substância colchicina, retirada da planta, é usada no tratamento de crises de gota.
Tentativas anteriores de usá-la no combate ao câncer fracassaram devido à alta toxicidade do composto, mas o problema teria sido resolvido depois que a equipe britânica conseguiu torná-la inofensiva até entrar em contato com um tumor.
A nova droga pertence à mesma família de remédios do Paclitaxel, o agente de quimioterapia mais usado no mundo, produzido a partir da casca da árvoreTaxus brevifolia.
"Se (os resultados) forem confirmados em testes de laboratórios mais extensos, os remédios baseados nessa abordagem podem ser muito úteis como parte de uma combinação de tratamentos contra diversos tipos de câncer", disse Paul Workman, do Instituto de Pesquisa do Câncer, em Londres.
Pacientes do Hospital de St. James, em Leeds, poderão ser os primeiros a testar o novo remédio dentro de 18 a 24 meses.

BBC Brasil

Supercomputador pode prever revoluções, diz estudo


Protesto no Egito/AP
Máquina captou mudança no sentimento do Egito antes da queda de Mubarak
Alimentar um supercomputador com artigos jornalísticos pode ajudar na previsão de eventos internacionais, segundo um estudo feito nos Estados Unidos.
A pesquisa se baseou em milhões de artigos e detectou uma piora do sentimento geral das nações antes dos recentes levantes no Egito e na Líbia.
Embora a análise tenha sido feita retrospectivamente, cientistas dizem que o mesmo processo pode ser usado para antecipar conflitos que ainda estejam para acontecer.
O sistema também detectou dicas da localização do líder da rede Al-Qaeda, Osama Bin Laden, morto em maio deste ano.
Kalev Leetaru, do Instituto para Computação na Área de Humanas, Artes e Ciências Sociais da Universidade do Illinois divulgou a pesquisa na publicação científica First Monday.
A informação usada no estudo foi tirada rede uma série de fontes que analisam a imprensa pelo mundo, como o Open Source Centre (mantido pelo governo americano) e o serviço BBC Monitoring.
Também foram analisados sites de notícias, como o arquivo digitalizado do New York Times desde 1945.
No total, foram estudados mais de 100 milhões de artigos.
Dois tipos
As reportagens foram analisadas por dois tipos básicos de informações: sentimento (se ela representava notícias boas ou ruins) e localização (onde eles aconteciam e a localização de outros participantes no artigo).
A detecção de sentimento buscou palavras como "terrível", "horrível" e "agradável".
No quesito localização, o estudo pegou citações como "Cairo" e as converteu em coordenadas em um mapa.
A análise de elementos das reportagens criou uma rede com mais de 100 trilhões de interconexões.
Os dados foram colocados em um supercomputador SGI Altix, conhecido como Nautilus, na Universidade do Tennessee.
SGI Altix
Mais de 100 milhões de reportagens foram estudadas pelo computador
A máquina tem um poder de processamento de 8.2 teraflops (ou trilhões de operações de ponto flutuante por segundo).
Baseado em perguntas específicas, o Nautilus gerou gráficos para diferentes países que tiveram suas “primaveras árabes”.
Em cada caso, os resultados agregados de milhares de reportagens mostrou uma notável queda no sentimento geral das nações antes dos levantes, tanto dentro do país como em reportagens do exterior.
No caso egípcio, o tom das coberturas de imprensa antes da queda do presidente Hosni Mubarak chegou a um ponto baixo só visto duas vezes nos 30 anos anteriores, antes do bombardeio americano de tropas iraquianas em 1991 e antes da invasão americana do Iraque em 2003.
Inteligência
Leetaru diz que seu sistema parece gerar informação de inteligência melhor do que a disponível para o governo americano na época.
"O mero fato de o presidente americano seguir apoiando Mubarak sugere fortemente que mesmo no mais alto nível as análises sugeriam que ele permaneceria no poder", disse ele à BBC.
"Isso é provável porque há nessa área especialistas estudando o Egito há 30 anos e, nesse período, nada aconteceu a Mubarak."
Leetaru diz que o gráfico egípcio sugere que algo inédito estava acontecendo naquela época.
"A curva de tom (sentimento) mostra que a situação estava ficando cada vez pior para ele tão rapidamente e com tanta força que parece impossível que ele sobrevivesse."
Quedas semelhantes foram vistas pouco antes da revolução na Líbia e nos conflitos dos Bálcãs nos anos 1990.
A Arábia Saudita, que até agora resistiu aos levantes populares, experimentou flutuações tão fortes quanto às de países que depuseram seus líderes.
No estudo, Leetaru sugere que a análise de reportagens de vários países sobre Osama Bin Laden poderiam ter fornecido dicas relevantes sobre sua localização.
Embora muitos acreditassem que o líder da Al-Qaeda estaria escondido no Afeganistão, informações geográficas extraídas de reportagens frequentemente o identificavam com o norte do Paquistão.
Apenas uma reportagem mencionava a cidade de Abbottabad antes da localização de Bin Laden em abril deste ano.
Bin Laden. AP
Análise concluiu que Bin Laden estraria em uma área de 200 km²
No entanto, a análise geográfica sugere que ele estava dentro de uma área de 200 km².
A análise do computador parece poder prever grandes eventos ao identificar uma mudança súbita e negativa do sentimento de uma nação.
Mas neste estudo, as análises foram feitas de eventos já ocorridos.
Segundo Kalev Leetaru, o sistema pode ser adaptado para trabalhar em tempo real, como um instrumento de previsão.
"É o próximo passo", disse Leetaru, que já trabalha para desenvolver a tecnologia.
"É muito parecido com as previsões econômicas feitas pelos algoritmos. Você sabe a direção que algo teve nos últimos tempos e quer saber o que vai acontecer."
O cientista também quer melhorar a resolução da análise, especialmente da geográfica, chegando a determinar cidades, “grupos de indivíduos e como eles interagem”.
"Faço uma comparação com a meteorologia. Nunca é perfeita, mas é ainda melhor do que palpites aleatórios."

BBC Brasil

Em busca de novas Terra

Sempre se achou, ao longo da história, que só havia um planeta como a Terra no universo. Mas logo talvez haja outra Terra. E outra. E mais outra.

Por Timothy Ferris
Foto de Dana Berry (ilustração)
Em busca de novas Terras Entre os quatro planetas do sistema Gliese girando em torno de uma estrela menos brilhante que o Sol a 20 anos-luz, estão os Gliese 581 e (em primeiro plano) - com o dobro da massa da Terra - 581 d, que talvez tenha água em estado líquido.
As candidatas mais promissoras talvez sejam as estrelas anãs, menores que o Sol. Há uma profusão dessas estrelas, e suas vidas são longas e estáveis, emitindo um fluxo constante de radiação para qualquer planeta dotado de vida que esteja orbitando nas zonas habitáveis do sistema. Quanto menos brilhante é a estrela, mais próximas ficam as zonas habitáveis, de modo que a observação dos trânsitos pode dar resultados em bem menos tempo. Um planeta mais próximo também exerce uma atração gravitacional mais forte sobre a estrela, o que torna mais fácil confirmar sua presença com a técnica Doppler. Na verdade, o planeta mais promissor já encontrado - a "super-Terra" Gliese 581 d, com massa sete vezes maior que a do nosso planeta - orbita na zona habitável de uma estrela anã vermelha que tem apenas um terço da massa de nosso Sol.

Caso planetas similares à Terra sejam achados no interior das zonas habitáveis de outras estrelas, um telescópio espacial específico, projetado para detectar sinais de vida, poderia no futuro captar o espectro da luz emitida por tais planetas e examiná-lo em busca de possíveis "bioassinaturas", como a presença na atmosfera de metano, ozônio e oxigênio. Não seria uma tarefa fácil.

Enquanto se debatem com o intimidante desafio de efetuar análises químicas de planetas que nem sequer conseguem ver, os cientistas empenhados na busca de vida extraterrestre não podem descartar a possibilidade de que ela seja muito diferente daquela que conhecemos. A evolução biológica é tão intrinsecamente imprevisível que até mesmo se a vida surgisse em um planeta idêntico ao nosso na mesma época em que apareceu aqui, a vida nesse planeta certamente seria hoje muito diversa da terrestre.

Como disse certa vez o biólogo Jacques Monod, a vida evolui não apenas em função da necessidade - do funcionamento universal das leis naturais - como também do acaso, da intervenção imprevisível de incontáveis acidentes. O acaso manifestou-se muitas vezes na história de nosso planeta, e de forma dramática no caso das várias extinções em massa, criando assim espaço para o desenvolvimento de novas formas de vida. Alguns desses acidentes parecem ter sido causados pela colisão de cometas e asteróides com a Terra - o mais recente desses acidentes foi o impacto, há 65 milhões de anos, que exterminou os dinossauros. Por esse motivo, os cientistas não buscam apenas por exoplanetas parecidos com a Terra atual mas por aqueles que se assemelhem a versões passadas. "A Terra moderna pode ser o pior modelo para usarmos na busca de vida em outras partes", diz Caleb Scharf, diretor do Centro de Astrobiologia da Universidade Colúmbia.

Não foi nada fácil aos primeiros exploradores fazer uma ideia da profundeza dos oceanos, mapear o lado oculto da Lua ou distinguir indícios da presença de oceanos sob as superfícies congeladas das luas de Júpiter - e também não será fácil encontrar vida nos planetas de outras estrelas. Mas agora temos bons motivos para crer que devem haver bilhões de tais planetas, e eles guardam a promessa de expansão não só do horizonte do conhecimento humano mas também da imaginação humana.

Durante milhares de anos, nós conhecíamos tão pouco a respeito do universo que priorizamos nossas fantasias, em detrimento da realidade. (Como escreveu o filósofo espanhol Miguel de Unamuno, o misticismo dos visionários religiosos do passado surgiu de uma "intolerável disparidade entre a imensidão de seus desejos e a estreiteza da realidade".) Agora, com os avanços da ciência, tornou-se mais que evidente que a assombrosa criatividade da natureza supera em muito a nossa. E já se descortinam inumeráveis mundos novos, cada qual com sua história.

População mundial: já somos 7 bilhões

A população mundial pode chegar à marca dos 9 bilhões até 2045. O planeta vai conseguir sustentar tanta gente?

Por Robert Kunzig
Foto de John Stammeyer
População mundial: já somos 7 bilhões Estados Unidos
Um grupo de recém-nascidos em 1º de setembro de 2010 descansa no Hospital Winnie Palmer, em Orlando, a segunda maternidade mais movimentada do país.

Certo dia no outono de 1677 na cidade holandesa de Delft, Antoni van Leeuwenhoek, um mercador de tecidos que se supõe ter servido de modelo para dois quadros de Johannes Vermeer - O Astrônomo e O Geógrafo -, saiu da cama, interrompendo de repente o que estava fazendo com sua mulher, e correu para a mesa de trabalho. Os tecidos permitiam a Leeuwenhoek ganhar a vida, mas o que o fascinava mesmo era a microscopia.
Leeuwenhoek possuía uma lupa minúscula e poderosa, feita por ele mesmo. Na Real Sociedade de Londres, sábios ainda estavam tentando comprovar a alegação anterior de Leeuwenhoek, segundo o qual havia milhões de "animálculos" invisíveis em uma única gota d’água de um lago e até mesmo no vinho francês. Agora ele tinha algo mais constrangedor a relatar: o sêmen humano também estava repleto daqueles animálculos. "Às vezes mais de um milhar", escreveu, "em uma quantidade pequena de material como um grão de areia." O holandês observou seus próprios animálculos nadando de um lado para outro, impulsionados por sua longa cauda.

Depois disso, Leeuwenhoek ficou obcecado. Embora a lupa lhe proporcionasse acesso privilegiado a um universo infinitesimal jamais visto, ele dedicou um tempo descomunal a examinar os animálculos hoje conhecidos como espermatozoides. E, curiosamente, foi o líquido seminal que extraiu de um bacalhau que o inspirou, quase por acaso, a tentar calcular a quantidade máxima de pessoas que poderiam viver na Terra.

Ninguém na época tinha a menor ideia, pois os censos eram raros. Leeuwenhoek, então, partiu da estimativa de que cerca de 1 milhão de pessoas viviam na Holanda. Recorrendo a mapas e noções de geometria esférica, ele calculou que a área terrestre habitada do planeta era 13 385 vezes maior que a da Holanda. Era difícil imaginar o planeta todo mais densamente povoado que o próprio país, que na época já parecia bastante apinhado. Portanto, sua conclusão triunfante foi a de que a Terra não poderia abrigar mais que 13 385 bilhões de pessoas - número até que pequeno se comparado às 150 bilhões de células espermáticas presentes em um único bacalhau! Esses cálculos singelos e otimistas, segundo o biólogo Joel Cohen, no livro How Many People Can the Earth Support? ("Quantas pessoas a Terra pode sustentar?", não lançado no Brasil), foram a primeira tentativa de se dar uma resposta quantitativa a uma questão que se tornou hoje bem mais urgente do que era no século 17. No entanto, a maioria das respostas atuais está longe de ser otimista.

De acordo com as estimativas mais recentes dos historiadores, na época de Leeuwenhoek havia apenas cerca de meio bilhão de seres humanos no mundo. Após crescer bem devagar durante milênios, esse número estava começando a ganhar impulso. Um século e meio depois, quando outro cientista comunicou a descoberta dos óvulos humanos, a população mundial tinha dobrado e ultrapassado a marca de 1 bilhão. Um século depois disso, por volta de 1930, ela havia dobrado mais uma vez, agora para 2 bilhões. Desde então a aceleração do crescimento demográfico foi assombrosa. Antes do século 20, nenhum ser humano tinha vivido o suficiente para testemunhar uma duplicação da população mundial, mas hoje há pessoas que a viram triplicar. Em algum momento no fim de 2011, segundo a Divisão de População das Nações Unidas, seremos 7 bilhões de pessoas.

Embora seu ritmo esteja diminuindo, essa explosão demográfica está longe de terminar. As pessoas passaram a viver mais tempo e há tantas mulheres ao redor do mundo em idade de procriar - 1,8 bilhão - que a população global ainda vai continuar crescendo pelo menos durante algumas décadas, mesmo que cada mulher tenha menos filhos que na geração anterior. Até 2050, o total de seres humanos no planeta pode chegar a 10,5 bilhões ou então se estabilizar por volta dos 8 bilhões - a diferença é de cerca de um filho para cada mulher. Os demógrafos da ONU consideram mais provável a estimativa média: eles estão projetando uma população mundial de 9 bilhões antes de 2050 - em 2045. O resultado final dependerá das escolhas feitas pelo casal quando realizar o mais íntimo dos atos humanos - aquele que, em prol da ciência, Leeuwenhoek interrompeu com tanto descaso.

Com a população mundial a aumentar ao ritmo de cerca de 80 milhões de pessoas por ano, é difícil não ficar alarmado. Em toda a Terra, os lençóis freáticos estão cedendo, os solos ficando cada vez mais erodidos, as geleiras derretendo e os estoques de pescado prestes a ser esgotados. Quase 1 bilhão de pessoas passam fome todo o dia. Daqui a algumas décadas, haverá mais 2 bilhões de bocas a ser alimentadas, a maioria em países pobres. E bilhões de outras pessoas lutarão para sair da miséria. Se seguirem pelo caminho percorrido pelas nações desenvolvidas - desmatando florestas, queimando carvão e petróleo, usando fertilizantes e pesticidas com abundância -, vai ser enorme o impacto sobre os recursos naturais do planeta. Como podemos conciliar tudo isso?Talvez seja reconfortante saber que há muito o crescimento demográfico é motivo de preocupação. Desde o início, diz o francês Hervé Le Bras, a demografia esteve impregnada de discussões apocalípticas. Alguns dos textos fundamentais da disciplina foram escritos por sir William Petty, um dos fundadores da Real Sociedade de Londres. Segundo Petty, a população mundial duplicaria seis vezes até o Juízo Final, que se esperava ocorreria daqui a 2 mil anos. Naquela altura, a população superaria os 20 bilhões - ultrapassando a capacidade de produção de alimentos do planeta. "E então, de acordo com a previsão das Escrituras, devem ocorrer guerras e grandes matanças", escreveu ele.

Com o recuo das previsões religiosas do fim do mundo, argumenta Le Bras, o próprio crescimento demográfico proporcionou outro mecanismo apocalíptico. "Ele cristalizou o temor ancestral, e talvez a esperança ancestral, do fim dos tempos", escreveu ele. Em 1798, o clérigo e economista inglês Thomas Malthus expôs seu princípio geral da população, afirmando que ela necessariamente aumenta com maior rapidez que a produção de alimentos até um ponto em que ocorrem guerras, doenças e fome, reduzindo assim a quantidade de gente. Na realidade, os últimos flagelos de escala grande o suficiente para reduzir a população global já haviam ocorrido bem antes de Malthus publicar seu ensaio. A população mundial não havia caído, segundo os historiadores, desde a peste negra do século 14.

Nos dois séculos posteriores à afirmação de Malthus de que a população não poderia continuar crescendo, foi exatamente isso o que ocorreu. O processo começou nos países hoje chamados de desenvolvidos. A difusão de plantas do Novo Mundo como milho e batata, assim como a descoberta dos fertilizantes químicos, baniu a fome da Europa. A partir do século 19, os esgotos passaram a canalizar os dejetos humanos para longe da água potável, que em seguida foi filtrada e clorada, e isso provocou uma redução dramática na disseminação de cólera e tifo.

Em 1798, no mesmo ano em que Malthus publicou seu ensaio pessimista, o inglês Edward Jenner anunciou a descoberta de uma vacina contra a varíola - a primeira de uma série de vacinas e antibióticos que, em conjunto com melhorias na nutrição e no saneamento, acabariam dobrando a expectativa de vida nos países que se industrializavam, de 35 para os 77 anos atuais. "O desenvolvimento da ciência médica foi a gota que entornou o caldo", escreveu em 1968 o biólogo e especialista em demografia Paul R. Ehrlich.

O livro que Ehrlich publicou, The Population Bomb ("A bomba demográfica", não disponível em português), fez dele o mais famoso dos malthusianos modernos. Nos anos 1970, ele previu que "centenas de milhões de pessoas morrerão de fome", e que era tarde demais para se fazer algo. "O câncer do crescimento demográfico [...] precisa ser extirpado", escreveu, "e de maneira compulsória, caso fracassem os métodos voluntários." O próprio futuro dos Estados Unidos estava em perigo. Apesar desse tom, ou talvez por causa dele, o livro virou um best-seller, tal como ocorrera com o ensaio de Malthus. Mas também dessa vez a bomba não explodiu. Na época já estava em curso a chamada revolução verde, uma combinação de sementes melhoradas, irrigação, pesticidas e fertilizantes que permitiu duplicar a produção mundial de cereais. Hoje ainda há muita gente desnutrida, mas é rara a fome em escala maciça.

Todavia, Ehrlich tinha razão ao dizer que os avanços na medicina acabariam por levar a um surto demográfico. Depois da Segunda Guerra Mundial, os países em desenvolvimento receberam súbita transfusão de cuidados preventivos, graças a iniciativas de instituições como a Organização Mundial de Saúde e a Unicef. A penicilina, a vacina contra a varíola e o DDT (que, embora controverso mais tarde, evitou que milhões de pessoas morressem de malária) surgiram ao mesmo tempo. Na Índia, a expectativa de vida saltou de 38 anos em 1952 para 64 atualmente; na China, de 41 para 73 anos. Milhões de pessoas nos países em desenvolvimento que não teriam passado da infância sobreviveram e puderam ter filhos. Este é o motivo pelo qual houve um surto demográfico em todo o planeta: porque se evitou a morte de uma enorme quantidade de pessoas. E também porque, por um tempo, as mulheres continuaram a ter muitos filhos. Na Europa do século 18 e na Ásia do início do século 20, quando tinha em média seis filhos, uma mulher estava fazendo o que era natural, pois a maioria dos filhos jamais chegava à idade adulta. Com a redução da mortalidade infantil, os casais passaram a ter menos filhos - mas essa transição em geral leva pelo menos uma geração. Atualmente, nos países desenvolvidos, a média de 2,1 filhos por mulher manteria a população constante; no mundo em desenvolvimento, esse nível de fertilidade de "reposição" é um pouco mais alto. A explosão demográfica ocorre nesse intervalo necessário para que a taxa de natalidade alcance novo equilíbrio com a taxa de mortalidade.O fenômeno é chamado pelos demógrafos de "transição demográfica". Chega um momento em que todos os países passam por isso. É um dos sinais do progresso: em um país que completou a transição, as pessoas retomam da natureza pelo menos algum controle sobre a morte e o nascimento. A explosão da população é um efeito colateral inevitável. No entanto, a taxa de crescimento estava no ápice bem na época em que Ehrlich soou o alarme. No início dos anos 1970, as taxas de fecundidade em todo o mundo haviam começado a despencar - com maior rapidez que o previsto. Desde então, a taxa de crescimento da população já caiu mais de 40%.

Esse declínio da fertilidade que hoje vigora em todo o planeta teve início em épocas distintas conforme o país. A França foi uma das primeiras. Até o começo do século 18, as mulheres nobres na corte francesa desfrutavam dos prazeres carnais e nunca tinham mais de dois filhos. Para isso, recorriam ao mesmo método anticoncepcional usado por Leeuwenhoek para realizar seus estudos: a interrupção do coito. A inovacão crucial era de natureza conceitual, e não anticoncepcional, como diz Gilles Pison, do Instituto Nacional de Estudos Demográficos em Paris. Até a época do Iluminismo, "a quantidade de crianças que se tinha era algo que estava nas mãos de Deus. As pessoas não se davam conta de que poderiam tomar as rédeas".

Outras nações ocidentais acabaram seguindo o caminho da França. Por volta da eclosão da Segunda Guerra Mundial, a fertilidade havia declinado quase ao nível de reposição em partes da Europa e nos Estados Unidos. Em seguida ao conflito, passado o inesperado pico conhecido como "baby boom" (1946-1958), a queda foi retomada, surpreendendo de novo os demógrafos. Eles tinham como pressuposto que algum instinto faria com que as mulheres continuassem a ter filhos em número suficiente para assegurar a sobrevivência da espécie. Em vez disso, em um país desenvolvido após outro, a taxa de fecundidade caiu abaixo do nível de reposição. No fim dos anos 1990, na Europa, chegou a apenas 1,4 filho por mulher.

O fim do baby boom costuma ter dois efeitos importantes na economia de um país. O primeiro é o "dividendo demográfico" - algumas poucas décadas afortunadas durante as quais os membros dessa geração inflam a força de trabalho, ao mesmo tempo que se mantém baixa a quantidade de dependentes jovens e idosos; em consequência, sobra mais dinheiro para outros gastos. Mas em seguida vem o segundo efeito, quando todos esses trabalhadores envelhecem e começam a se aposentar. O que antes parecia uma situação demográfica perene agora virou uma festa prestes a acabar. Um problema se apresenta hoje a todo o mundo desenvolvido: o de achar meios para sustentar uma população cada vez mais idosa. "Em 2050 vai haver trabalhadores em quantidade suficiente para assegurar o pagamento das pensões?", indaga Frans Willekens, do Instituto Demográfico Interdisciplinar dos Países Baixos. "A resposta é simples: não."

Nos países industrializados foram necessárias gerações para que a fertilidade caísse ao nível de reposição ou mesmo ficasse abaixo dele. Agora que essa transição está ocorrendo no resto do mundo, os demógrafos assombram-se com a rapidez do processo. Embora sua população continue a crescer, a China, que abriga um quinto de todos os seres humanos, apresenta uma taxa abaixo do nível de reposição, e isso vem se registrando há quase duas décadas, graças em parte à política compulsória de um filho por casal, implementada em 1979. As mulheres chinesas, que costumavam ter em média seis filhos até uma data tão recente quanto 1965, agora têm em torno de 1,5. No Irã, com apoio do regime islâmico, a fertilidade despencou mais de 70% desde a década de 1980. No Brasil democrático e católico, as mulheres reduziram a taxa de fecundidade pela metade nesse mesmo quarto de século. "Ainda não sabemos por que a fertilidade caiu tão rapidamente em tantas sociedades, com as mais diversas culturas e religiões. É algo que nos deixa perplexos", diz Hania Zlotnik, diretora da Divisão de População das Nações Unidas.

"Neste momento, por mais que quisesse dizer que ainda há um problema de taxas altas de fecundidade, o fato é que isso afeta apenas 16% da população mundial, sobretudo na África", diz Hania. Ao sul do Saara, a fertilidade média ainda é de cinco filhos por mulher; no Níger, chega a sete. Por outro lado, 17 dos países nessa região ainda convivem com uma esperança de vida de 50 anos ou menos - ou seja, estão apenas começando a transição demográfica. Na maior parte do mundo, porém, o tamanho das famílias diminuiu de maneira dramática. A ONU estima que o planeta alcançará a taxa de fecundidade mínima de reposição até 2030. "A população como um todo está no rumo de uma não explosão - e essa é uma notícia boa", diz Hania.

A notícia ruim é que faltam duas décadas até 2030, quando a maior geração de adolescentes da história estará entrando no período de procriação. Mesmo se cada uma dessas mulheres tiver apenas dois filhos, a população continuará aumentando, impelida por sua inércia, durante ainda outro quarto de século. Quase uma em cada seis dessas pessoas estará vivendo na Índia. Fazia tempo que eu entendia, em termos intelectuais, a explosão demográfica. Porém, em termos emocionais, isso ficou claro para mim numa noite quente em Délhi alguns anos atrás... A temperatura estava em torno de 40 graus, e o ar era uma névoa de poeira e fumaça. As ruas fervilhavam de gente. Pessoas comendo, pessoas se lavando, pessoas dormindo. Pessoas fazendo visitas, discutindo e gritando. Pessoas enfiando as mãos pela janela do táxi pedindo esmola. Pessoas defecando e urinando. Pessoas penduradas nos ônibus. Pessoas conduzindo animais. Pessoas, pessoas, pessoas, pessoas. - Paul Ehrlich

Em 1966, quando Ehrlich fez esse percurso de táxi, havia em torno de meio bilhão de indianos. Hoje a Índia conta com 1,2 bilhão de habitantes. A população de Délhi aumentou de maneira ainda mais acelerada, para cerca de 22 milhões, à medida que muitos abandonaram seus povoados e vilarejos para viver nas imensas favelas da cidade. No início de junho do ano passado, em meio ao calor absurdo de Délhi, a monção de verão ainda não chegara para limpar o pó dos canteiros de obras que se somava à poeira trazida dos desertos do Rajastão. Nas novas vias expressas da cidade sem planejamento, carros de boi seguiam na contramão. Famílias de quatro pessoas circulavam em motos, os lenços das mulheres esvoaçando, bebês pendurados em seus braços. No tráfego, inválidos e crianças emaciadas pediam esmolas aos gritos. A Délhi atual é diferente daquela visitada por Ehrlich, mas também é parecida.

No Hospital Lok Nayak, na parte antiga de Délhi, uma maré humana passa pelo portão de entrada todas as manhãs. "Quem, ao ver isso, não ficaria preocupado com a população da Índia?", pergunta em uma tarde o cirurgião Chandan Bortamuly enquanto abre caminho para a sua clínica de vasectomia. Bortalumy entra na pequena sala de operações, onde dois homens estão deitados nas mesas, seus testículos expostos através de buracos nos lençóis verdes. Um ventilador no teto faz circular o ar frio lançado por duas unidades de ar-condicionado no quarto.

Bortamuly está na linha de frente de uma batalha que vem sendo travada na Índia há quase seis décadas. Em 1952, apenas cinco anos depois de ter se tornado independente da Grã-Bretanha, a Índia foi o primeiro país a adotar uma política de controle da população. Desde então, o governo estabeleceu repetidas vezes metas ambiciosas - e repetidas vezes fracassou na hora de alcançá-las. Em 2000, uma iniciativa nacional previa que o país alcançaria a taxa de reposição de 2,1 em 2010. No entanto, será preciso esperar pelo menos mais uma década para isso acontecer. De acordo com a projeção média da ONU, a população da Índia vai aumentar para mais de 1,6 bilhão até 2050. "É inevitável que a demografia indiana supere a da China até 2030", diz A.R. Nanda, ex-responsável pela organização não governamental Fundação População da Índia. "Só uma imensa catástrofe, nuclear ou de outro tipo, poderia mudar isso."

A esterilização é a principal forma de controle de natalidade na Índia, e a maioria das operações é realizada em mulheres. O governo vem se empenhando para mudar isso; uma vasectomia sem bisturi é bem mais barata e fácil de ser realizada no homem que uma ligadura de trompas na mulher. "Eles dizem que a picada da agulha é como a de uma formiga", diz Bortamuly quando um paciente se retrai ao receber o anestésico local. "Depois disso, é um procedimento indolor e sem sangramento." Com a ponta do fórceps, Bortalumy abre um pequeno orifício na pele do escroto e puxa para fora uma alça do canal que conduz o esperma do testículo direito do paciente. Em seguida, ele amarra as pontas da alça com um fio preto fino, corta as pontas e as empurra de volta para debaixo da pele. Em menos de sete minutos - o tempo foi cronometrado por uma enfermeira - o paciente vai embora. Ele terá direito a receber do governo uma taxa de incentivo no valor de 1 100 rúpias (uns 25 dólares), o equivalente ao salário semanal de um trabalhador.

Na década de 1970, auge da preocupação com a bomba demográfica, o governo indiano fez outra tentativa de promover a vasectomia. A primeira-ministra Indira Gandhi e seu filho Sanjay usaram os poderes associados ao estado de emergência para obter um aumento nas esterilizações. De 1976 a 1977, a quantidade de operações triplicou, chegando a mais de 8 milhões, das quais mais de 6 milhões eram vasectomias. Os funcionários encarregados do planejamento familiar eram pressionados a cumprir cotas; ser esterilizada passou a ser um requisito para a pessoa ter acesso a novas moradias ou outros benefícios governamentais. Em outros casos, a polícia simplesmente arrebanhava os mais pobres e os conduzia a centros improvisados de esterilização.

Esses excessos prejudicaram toda a ideia de planejamento familiar. "Governos sucessivos se recusaram a tratar dessa questão", comenta Shailaja Chandra, ex-diretora do Fundo Nacional de Estabilização da População (NPSF, na sigla em inglês). Mesmo assim, a fertilidade na Índia acabou declinando, embora não com a mesma rapidez da China, onde ela estava despencando mesmo antes da implantação da rigorosa política de filho único. A atual média nacional na Índia é de 2,6 filhos por mulher, menos da metade na época em que Ehrlich visitou o país. A região sul do país e alguns estados setentrionais já alcançaram ou estão abaixo da taxa de reposição. Em Kerala, no sudoeste, os investimentos em saúde e educação fizeram com que a taxa de fecundidade caísse para 1,7. O crucial, segundo os demógrafos locais, é a taxa de alfabetização das mulheres, por volta de 90% - sem dúvida, a mais alta da Índia. As jovens que frequentam a escola começam a ter filhos mais tarde que as outras. Também são mais receptivas a métodos contraceptivos e mais informadas de suas opções.

Até agora, essa abordagem, apresentada como modelo para o resto do mundo, não se difundiu nos estados pobres do norte da Índia - o chamado cinturão hindu, que corta o país de um lado a outro logo ao sul de Délhi. Quase metade do crescimento demográfico do país está concentrado nos estados do Rajastão, Madhya Pradesh, Bihar e Uttar Pradesh, em que as taxas de fecundidade ainda variam de três a quatro filhos por mulher. A maioria delas nesse cinturão é analfabeta, e muitas se casam bem antes da idade legal de 18 anos. A maternidade confere prestígio social - e em geral as mulheres não descansam enquanto não têm pelo menos um filho.

Como alternativa ao modelo de Kerala, há quem mencione o estado meridional de Andhra Pradesh, onde "centros" de esterilização foram instalados na década de 1970 e cujos níveis de esterilização permaneceram elevados, pois tais clínicas improvisadas foram sendo substituídas por hospitais. Em uma única década desde o início do anos 1990, houve uma queda na taxa de fecundidade de três para menos de dois filhos por mulher. Ao contrário de Kerala, metade das mulheres em Andhra Pradesh é analfabeta.

Para Amarjit Singh, o atual diretor executivo do NPSF, se os quatro maiores estados do cinturão hindu tivessem adotado o modelo de Andhra Pradesh, eles teriam evitado 40 milhões de nascimentos - e também muito sofrimento. "Desses 40 milhões de crianças, 2,5 milhões morreram na infância", diz Singh. Ele está convencido de que, se toda a Índia adotasse programas de esterilização de qualidade, o país chegaria a 2050 com 1,4 bilhão de habitantes, em vez de 1,6 bilhão.

Por ouro lado, os críticos do modelo de Andhra Pradesh, como A.R. Nanda, acreditam que os indianos precisam mesmo é de um sistema de saúde melhor, sobretudo nas áreas rurais. Eles se opõem às metas quantitativas que forçam os órgãos públicos a esterilizar as pessoas ou aos incentivos em dinheiro que distorcem o modo como os casais escolhem o tamanho da família.

Hoje, nas cidades indianas, muitos casais estão fazendo a mesma escolha que seus equivalentes na Europa ou nos Estados Unidos. Sonalde Desai, do Conselho Nacional de Pesquisa Econômica Aplicada de Nova Délhi, me apresenta a cinco mulheres trabalhadoras que destinam a maior parte de seus salários ao pagamento de mensalidades de escolas particulares. Todas têm um ou dois filhos e não pensam em ter outros. Em um levantamento abrangendo 41 554 lares, a equipe de Sonalde identificou uma crescente vanguarda de famílias urbanas com um único filho. "Ficamos bastante surpresos com a importância que os pais dão aos filhos", diz ela. "É por isso que a fecundidade está em declínio."

Já nas zonas rurais não é bem assim. Acompanho a equipe de Sonalde a Palanpur, um vilarejo em Uttar Pradesh - um estado no cinturão hindu cuja população é equivalente à do Brasil. No povoado, observamos uma torre de telefonia celular mas também riachos de esgoto correndo pelas vielas entre casebres. À sombra de uma mangueira, o guardião do pomar diz que não vê motivo para mandar suas três filhas para a escola. Pergunto a uma dúzia de lavradores o que seria mais importante para que melhorassem de vida. "Um pouco de dinheiro", brinca um deles.

"O objetivo da Índia não deveria ser a redução da fertilidade", comenta dias depois Almas Ali, da Fundação População. "Deveria tornar a existência nos vilarejos viável. Sempre que se fala de população na Índia, o que vêm à mente são os números assustadores. O foco nas pessoas acabou relegado a segundo plano."Enquanto caía a noite, levamos quatro horas de carro para voltar de Palanpur a Délhi. Enfrentamos congestionamentos nas cidadezinhas maiores, cada qual fervilhando de atividade, por vezes quase engolfando nosso carro. Quando, depois de um viaduto, entramos em Moradabad, vejo um homem empurrando sua carroça, uma carga tão grande que ele mal enxerga adiante. Lembrei-me então do estalo de Ehrlich sentado no táxi décadas atrás. Pessoas, pessoas, pessoas - sem dúvida. Mas também um sentimento arrebatador de energia, de luta, de aspiração.

A reunião anual da Associação da População da América (PAA, na sigla em inglês) é um dos principais pontos de encontro dos demógrafos do mundo. Em abril de 2010, a explosão populacional no planeta não fazia parte da pauta. Os demógrafos estão convencidos de que, até meados deste século, estaremos chegando ao fim de uma era única na história - a do crescimento demográfico - e iniciando outra fase, na qual a população vai se manter estável ou diminuir.

Mas não haverá ainda excesso de gente? No encontro da PAA realizado em Dallas, fiquei sabendo que a atual população do planeta caberia inteira no Texas, caso o estado fosse ocupado de maneira tão densa quanto a cidade de Nova York. A comparação me levou a pensar como Leeuwenhoek. Se em 2045 houver 9 bilhões de pessoas distribuídas pelos seis continentes habitáveis, a densidade da população mundial será de pouco mais da metade daquela registrada na França atual. E a França não costuma ser considerada infernal para se viver. Será então que o mundo vai ser um lugar infernal?

Algumas regiões talvez fiquem infernais, e isso já acontece. Existem hoje 21 cidades com mais de 10 milhões de habitantes, e a quantidade delas só vai aumentar até 2050. As cidades de Daca, em Bangladesh, e Kinshasa, na República Democrática do Congo, cresceram nada menos que 40 vezes desde 1950. Suas favelas estão lotadas de gente desesperada que fugiu de áreas rurais em que a miséria era ainda pior.

Países inteiros se defrontam com pressões demográficas que nos parecem tão insuperáveis quanto as da Índia aos olhos de Ehrlich em 1966. Bangladesh está entre os países mais densamente povoados do planeta e também um dos mais ameaçados pelas mudanças climáticas; a elevação no nível dos mares pode provocar o deslocamento de dezenas de milhões de bengaleses. Ruanda é outro caso preocupante. No livro Colapso, Jared Diamond argumenta que o massacre genocida em que perderam a vida cerca de 800 mil ruandeses foi consequência de vários fatores, não só de conflitos étnicos mas também da superpopulação - um excesso de agricultores repartindo a mesma área em lotes cada vez menores que se tornaram insuficientes à subsistência de suas famílias. "Os piores cenários de Malthus podem às vezes se concretizar", conclui Diamond.

Muita gente teme a possibilidade de que as previsões de Malthus sejam afinal comprovadas em escala global - ou seja, que o planeta se mostre insuficiente para alimentar 9 bilhões de seres humanos. Para Lester Brown, fundador do Instituto Worldwatch, a escassez de alimentos poderá provocar um colapso da civilização. Os seres humanos estão vivendo do capital natural, argumenta Brown, erodindo o solo e esvaziando os aquíferos com maior rapidez do que eles podem ser recuperados. E isso logo começará a prejudicar a produção de alimentos. "Remediar as deficiências no planejamento familiar talvez seja o item mais urgente na pauta global", escreve ele, pois, se não conseguirmos limitar a população mundial a 8 bilhões por meio da redução da fecundidade, o que pode ocorrer é um aumento na taxa de mortalidade.

Oito bilhões correspondem à estimativa mais baixa da ONU para 2050. Nesse cenário otimista, Bangladesh teria uma taxa de fecundidade de 1,35 em 2050, mas ainda 25 milhões de habitantes a mais que hoje. A taxa de fecundidade em Ruanda também seria inferior ao nível de reposição, mas sua população atingiria o dobro do que era antes do genocídio. Se esse é o cenário mais otimista, alguém poderia dizer, então o futuro é de fato deprimente.Porém, também podemos tirar disso outra conclusão: talvez essa preocupação com os números populacionais não seja a melhor maneira de confrontar o futuro. As pessoas amontoadas em favelas necessitam de ajuda, mas os problemas a ser resolvidos são a pobreza e a falta de infraestrutura, não a superpopulação. Proporcionar a todas as mulheres acesso aos serviços de planejamento familiar é uma boa ideia. No entanto, o mais agressivo programa de controle populacional que se possa imaginar não vai salvar Bangladesh da elevação no nível do mar nem Ruanda de outro genocídio nem todos nós dos enormes problemas ambientais a nossa frente.

O aquecimento global é um exemplo. As emissões de carbono ocasionadas pelo uso de combustíveis fósseis estão aumentando com maior rapidez na China, mas ali a taxa de fecundidade já é inferior ao patamar de reposição - não resta muito a fazer em termos de controle demográfico. Nas regiões em que a população está aumentando em ritmo mais acelerado, como na África subsaariana, as emissões per capita são bem menores que nos Estados Unidos - portanto, o controle demográfico ali teria um efeito irrelevante sobre o clima. Segundo cálculos de Brian O’Neill, do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica, se em 2050 a população mundial for de 7,4 bilhões, em vez de 8,9 bilhões, as emissões de carbono seriam reduzidas em 15%. Para interromper o aquecimento global, teremos de trocar os combustíveis fósseis por outras formas de energia - seja qual for o crescimento populacional.

Claro que a quantidade de pessoas faz diferença. Mais relevante ainda é o modo como as pessoas consomem os recursos. O principal desafio para o futuro das pessoas e do planeta é tirar da pobreza o máximo de gente e ao mesmo tempo reduzir o impacto de todos nós sobre o planeta.

De acordo com previsões do Banco Mundial, até 2030 mais de 1 bilhão de pessoas nos países em desenvolvimento vão passar a fazer parte da "classe média global" - em 2005 eram apenas 400 milhões. Embora isso pareça muito bom, não será nada fácil para o planeta se essas pessoas passarem a comer carne e a circular em carros movidos a gasolina no mesmo ritmo atual dos americanos. É tarde demais para evitar que nasça a classe média de 2030, mas não para mudar a maneira como ela e todos nós produzimos e consumimos alimentos e energia.

Durante séculos, os pessimistas bombardearam com alertas apocalípticos os otimistas congênitos que têm uma crença inabalável de que a humanidade vai encontrar maneiras de lidar com o problema e até de melhorar seu destino. A história, de maneira geral, até agora favoreceu os otimistas, mas ela não é nenhum guia confiável do futuro. Tampouco a ciência é esse guia. Ela não pode prever o resultado do confronto População versus Planeta, pois todos os fatos relevantes - quantos seremos e como iremos viver - dependem das escolhas que faremos e das ideias que ainda vamos ter. Podemos, por exemplo, diz Joel Cohen, "cuidar para que todas as crianças sejam alimentadas o suficiente para que aprendam na escola e sejam bem formadas o suficiente para que resolvam os problemas que irão enfrentar quando chegarem à idade adulta". Isso iria alterar de modo significativo o futuro.

A controvérsia já existia no surgimento do alarmismo populacional, na pessoa do reverendo Thomas Malthus. No fim do livro no qual formulou a lei de ferro, segundo a qual o crescimento da população levaria à escassez de alimentos, ele afirma que essa lei não deixa de ser benéfica, pois nos impele a buscar soluções. O homem, escreve, é "preguiçoso e avesso ao esforço, a menos que seja obrigado pela necessidade". A necessidade, acrescenta ele, é a mãe da esperança. "Os esforços que os homens se veem obrigados a fazer, a fim de se sustentar ou a suas famílias, despertam faculdades que de outro modo teriam ficado para sempre dormentes, e é uma observação corriqueira que situações novas em geral dão origem a mentes adequadas para enfrentar as dificuldades nas quais estão envolvidas."

Sete bilhões de pessoas logo mais, 9 bilhões em 2045. Esperemos que Malthus esteja certo a respeito de nossa engenhosidade.

National Geographic Brasil

A arca da comida

É fato: para sustentar a crescente população mundial, será preciso duplicar a produção de alimentos. Mas nossas safras não vêm aumentando em ritmo suficiente, e mudanças no clima e pragas colocam em risco as poucas variedades das quais dependemos. A saída? Preservar espécies domésticas de pouco uso comercial.

Por Charles Siebert
Foto de Jim Richardson
A arca da comida O conservacionista Cary Fowler segura dois frascos com ervilhas. Ao fundo, a elegante construção abriga o Banco Global de Sementes de Svalbard, na Noruega, que ele fundou para evitar a extinção em massa de safras.
A 9,5 quilômetros da cidadezinha de Decorah, no estado americano de Iowa, fica a Heritage, uma fazenda com 360 hectares de campos ondulados e bosques que deixou de ser cultivada. A intenção é que as plantações revertam a uma condição silvestre, o que, a princípio, não parece ser muito lógico. Mas na realidade tudo nessa propriedade destoa das áreas circundantes, nas quais a soja e o milho são cultivados com esmero, exemplos perfeitos da agricultura moderna. Mas a fazenda Heritage tem como objetivo colecionar, e não cultivar. Ela é a sede de um dos maiores bancos não governamentais de sementes dos Estados Unidos.
Em 1926, durante uma expedição à Abissínia (atual Etiópia), o botânico teve uma percepção de tal modo abrangente que vislumbrou a possibilidade de identificar um punhado de locais em todo o planeta nos quais os antepassados silvestres de nossas safras mais comuns haviam sido domesticados. Mais tarde, compilou um mapa dos sete "centros originários das plantas cultivadas", que considerou como as áreas de surgimento da agricultura. "É possível contemplar ali", escreveu ele, "o papel desempenhado pelo homem na seleção das formas melhor adaptadas a cada local."

A história de Vavilov não teve final feliz. Em 1943, esse que foi uma das maiores autoridades mundiais nos possíveis remédios para a fome morreria de inanição em um campo de prisioneiros às margens do rio Volga - mais uma vítima de Stalin, que via a coleta de sementes como nada mais que um empreendimento científico burguês. A essa altura, o Exército de Hitler já havia cercado São Petersburgo (na época, Leningrado), que resistiu desesperadamente ao cerco, durante o qual morreriam mais de 700 mil pessoas.

As autoridades soviéticas haviam ordenado a evacuação do Hermitage, temendo que Hitler estivesse de olho nas obras de arte do museu. Mas nada fizeram para proteger 400 mil sementes, raízes e frutos armazenados naquele que era então o maior banco de sementes do mundo. Por conta própria, um grupo de cientistas do Instituto Vavilov separou uma amostra representativa das sementes e transferiu as caixas para o porão. Mais tarde, documentos históricos revelariam que, na verdade, Hitler ordenara que uma unidade de tropas especiais assumisse o controle do banco de sementes, talvez na expectativa de um dia controlar o suprimento mundial de alimentos.

Embora esfomeados, os pesquisadores se recusaram a comer o que viam como o futuro de seu país. No fim do cerco alemão à cidade, na primavera de 1944, nove dos guardiões das sementes do instituto haviam morrido. De inanição.

Desde então, as ideias de Vavilov foram reavaliadas. Hoje, os cientistas consideram as regiões por ele identificadas como sendo centros de diversidade, em vez de centros originários, pois não se comprovou que ali tivesse ocorrido a domesticação inicial. Todavia, uma concepção fundamental de Vavilov - de que tais regiões eram os repositórios da diversidade genética, da qual depende o futuro dos nossos alimentos - está se revelando mais premonitória que nunca.Existem 1,4 mil bancos de sementes ao redor do mundo. O mais ambicioso deles é o novo Banco Global de Sementes de Svalbard, instalado no interior de uma montanha de arenito na ilha norueguesa de Spitsbergen, 1 125 quilômetros ao sul do polo Norte. Criado por Cary Fowler, em conjunto com o Grupo de Consulta sobre Pesquisa Agrícola Internacional, a chamada "caixa-forte do fim dos tempos" é uma espécie de arquivo de segurança de todos os bancos similares existentes no resto do mundo. Cópias dessas coleções dispersas ficam guardadas em uma área resfriada e livre de tremores, 122 metros abaixo do nível do mar, garantindo que as sementes estejam sempre secas e seguras, mesmo no caso do derretimento das calotas polares.

A Fundação Global para a Diversidade de Safras, também criada por Fowler, anunciou há pouco tempo o equivalente a uma das expedições de coleta de sementes em âmbito mundial organizadas por Vavilov: um projeto de dez anos para vasculhar o planeta em busca dos últimos parentes silvestres de trigo, arroz, cevada, lentilha e grão-de-bico. A expectativa é que esse esforço frenético permita aos cientistas transferir as características essenciais das variedades agrestes - como a tolerância a secas e inundações - às variedades comerciais mais vulneráveis.

O caminho inverso na interação entre as técnicas de mapeamento genético e os primórdios da agricultura teve um capítulo interessante no Brasil em 1995. "Fomos procurados por representantes do povo indígena Krahô, do Tocantins", diz Patrícia Bustamante, líder da Rede de Recursos Genéticos Vegetais, formada por universidades, institutos de pesquisa e encabeçada pela Embrapa. "Eles não tinham mais as sementes primitivas e não obtiveram sucesso com as variedades comerciais do milho". Uma espécie do banco genético da rede (que tem 107 mil amostras de 600 espécies agrícolas importantes) foi doada e a produção rudimentar acontece até hoje.

A busca por espécies selvagens e a armazenagem de sementes em bancos, com o objetivo de nos salvar de catástrofes futuras, não são as únicas medidas necessárias. Igualmente merecedor de preservação é o conhecimento dos agricultores do mundo, que aperfeiçoaram as sementes e as raças que agora tanto cobiçamos.

Jemal Mohammed, de 40 anos, cultiva 2 hectares de encostas no vilarejo de Fontanina, em Welo, na Etiópia. Ali é o centro de uma das áreas de diversidade visitadas em 1926 por Nikolay Vavilov.ercorrer as terras de Mohammed é o equivalente a retornar a uma época muito antiga da agricultura. A choça circular e coberta de colmo, com suas paredes de argila seca e palha, é idêntica às moradias que durante séculos pontilharam a região rural da Etiópia. Ao lado da choça, uma parelha de bois desfruta da sombra de um jacarandá. Três ou quatro galinhas ciscam no terreiro sem vegetação. Nos campos, lavrados com um arado puxado por bois e semeados à mão, há plantios de tomate, cebola, alho, coentro, abóbora, sorgo, trigo, cevada, grão-de-bico e tefe, cereal usado no preparo de um pão típico, o injera.

Comparado às operações mecanizadas da agricultura moderna, o trabalho de Mohammed é um dinâmico e sutil malabarismo em meio a constantes ameaças, como seca, tempestades e doenças. Ao plantar legumes e cereais juntos, ele extrai o máximo de um terreno restrito. E, ao mesmo tempo, essa mescla é uma forma natural de fertilização: os legumes que crescem aos pés do sorgo adicionam nitrogênio ao solo.

Welo foi uma das regiões mais afetadas pela fome que, em 1984, matou centenas de milhares de etíopes. O drama continua vivo na lembrança de Mohammed. Ele me mostra uma coleção de cabaças cheias até a bordas: sementes de todas as plantas que cultiva que sua mulher esfrega com cinzas para protegê-las das brocas. "Se perdermos a safra por causa de uma seca ou inundação", diz ele, "posso replantar as minhas terras."

Esse é o fascinante paradoxo das sementes. A despeito de sua importância óbvia, elas são facilmente desconsideradas, sobretudo, por aqueles dentre nós que vivem no mundo bem alimentado, esquecidos da origem de nossos alimentos. Mohammed me conduz a um campo do outro lado da estrada, onde ele e o vizinho erguem uma laje de pedra que dá acesso a uma câmara subterrânea com 2 metros de comprimento e 2 de profundidade: um depósito de cereais para emergências. Dali a semanas, quando estiver concluída a colheita, eles vão revestir de palha a câmara, enchê-la de cereais e cobri-la com a laje. O frio da terra manterá o frescor dos grãos.

Pergunto o quanto tiveram de recorrer a esse depósito durante a carestia de 1984. Eles baixam a cabeça e murmuram uma resposta antes de ficar mudos, com os olhos marejados. O intérprete então faz um gesto com o dedo me avisando que era melhor eu não insistir no assunto.Para eles, é difícil até mesmo pensar naquela época, explica o tradutor. Eles haviam vendido o cereal armazenado, pois jamais imaginavam que poderia haver uma seca tão súbita. E a situação piorou de tal modo que foram obrigados a comer todas as reservas. Vários de seus parentes morreram de inanição. As condições eram tão inóspitas para o plantio que a barriga vazia fez com que contemplassem até mesmo o impensável: comer as sementes, ou seja, o próprio futuro.

O planalto na região centro-oriental da Etiópia foi, no passado, um dos pontos de maior diversidade botânica no planeta. Mas, na década de 1970, os agricultores dali estavam limitados a cultivar tefe e poucas variedades de trigo. Hoje, a zona se transformou: as variedades locais de hortaliças e de trigo voltaram a prosperar. Considerando a imagem corrente da Etiópia como um país afligido pela fome, é surpreendente, durante a viagem de carro de uma hora a nordeste de Adis-Abeba, ver os imensos campos cobertos do cerrado trigo de grão duro e sementes roxas, uma variedade endêmica da Etiópia. Usado em massas alimentícias, esse trigo é resistente à ferrugemdo-colmo. Em uma das plantações havia outra variedade nativa, a setakuri, que significa "orgulho feminino", pois resulta em um pão adocicado.

Essa reviravolta na agricultura etíope pode ser atribuída em parte aos esforços do renomado geneticista Melaku Worede, que se doutorou pela Universidade do Nebraska em 1972 e em seguida retornou à Etiópia com o objetivo de preservar - e reconstituir - a biodiversidade de seu país natal. Worede e sua equipe do Centro de Recursos Genéticos de Plantas, em Adis-Abeba, promoveram a coleta e o armazenamento de plantas e sementes nativas e desenvolvidas de modo natural. Em 1989, Worede lançou o programa Sementes da Sobrevivência, uma rede comunitária que reúne e distribui as sementes dos agricultores locais.

A expectativa de Worede é que os novos projetos que visem incrementar a produção de alimentos - como a Aliança para uma Revolução Verde na África, da Fundação Gates - não repitam erros do passado. "Os responsáveis pelo planejamento disso estão conscientes de que a primeira revolução verde fracassou no longo prazo. Algumas ideias são de fato inteligentes", diz Worede, "mas ainda se concentram demais em uma gama estreita de variedades. E o resto? Vamos acabar por perdê-las. É preciso agregar o conhecimento local, que é a ciência do agricultor."

Para Worede, é crucial resguardar a diversidade da região, não só por meio dos bancos de sementes mas também nas práticas cotidianas, e estar sempre em estreito contato com os agricultores. Embora a produtividade seja importante para os lavradores, ainda mais crucial é que possam se proteger contra a escassez de alimentos, reduzindo o risco por meio de cultivos variados ao longo das estações do ano e em locais distintos. Desse modo, se há quebra de uma safra por causa de doença ou se outra sucumbe à seca ou se uma encosta é devastada pelas chuvas, mesmo assim eles podem contar com alternativas.O desafio tem sido mostrar que é possível aumentar o rendimento sem sacrificar a diversidade. Para Worede, trata-se de provar a falsidade de uma escolha que se coloca entre ter o suficiente para comer hoje e preservar a biodiversidade alimentar no futuro. Esse foi o seu objetivo. Ele tomou as variedades escolhidas pelos agricultores por serem adaptáveis e pesquisou quais delas possibilitavam melhor rendimento.

O emprego de sementes locais de alta produtividade - associado a fertilizantes naturais e técnicas como o plantio mesclado - melhorou a produtividade em até 15% a mais que a das variedades importadas que requerem volume maior de insumos. Um esforço paralelo vem sendo realizado com as raças de animais nativos da região. Segundo o especialista em genética animal Keith Hammond, das Nações Unidas, em 80% das áreas rurais do planeta os recursos genéticos adaptados ao local são superiores aos das raças importadas.

Ainda assim, um acréscimo de 15% está bem distante da duplicação no suprimento de alimentos que, de acordo com os especialistas, será necessária nas próximas décadas. A preservação da diversidade dos alimentos não passa de uma das estratégias para vencer esse obstáculo, mas é crucial. À medida que o mundo se torna mais quente, e o ambiente, mais inóspito para as sementes e as raças que hoje fornecem nossos alimentos, a humanidade provavelmente vai precisar dos genes que permitem às plantas e aos animais sobreviver, por exemplo, ao calor africano ou às pragas recorrentes. Na verdade, Worede acha muito provável que os cientistas encontrem nas plantações etíopes as variedades resistentes à Ug99. "E, mesmo se essa praga contra o trigo assumir uma forma nova, ela não vai devastar tudo por aqui. Essa é a vantagem da diversificação."

Mohammed e seu vizinho ficam em silêncio diante de seu banco de sementes particular naquela tarde em Welo. Desde a fome de 1984, nunca mais pensaram em vender qualquer cereal antes da época da colheita. Pergunto a eles se a abundância evidente de seus campos fazia com que se sentissem mais seguros e otimistas. "Seria bom ter um pouco mais de dinheiro", começa Mohammed, "de modo que a gente pudesse mandar as crianças para a escola, com roupas decentes, mas..." Ele se cala, olha para o vizinho e então diz algo que descreve com perfeição a atitude que todos nós deveríamos adotar diante da questão do futuro dos nossos alimentos.

"Estamos confiantes", diz Mohammad. "Mas também muito atentos aos riscos."

National Geographic Brasil